recuou num impulso, como se tivesse acordado bruscamente de um sonho. O coração martelava em seu peito, os lábios ainda formigando, os pensamentos confusos e embaralhados demais para formar uma linha lógica.
— Eu… — ela balbuciou, mas antes que pudesse encontrar qualquer palavra, a puxou de volta com firmeza, envolvendo a cintura dela com os braços.
O toque dele foi urgente, mas ao mesmo tempo delicado, como se tivesse medo de perdê-la se não a segurasse.
— Não se afasta assim, … — ele disse, a voz baixa, rouca, carregada de sentimento — Por favor, não me diga que se arrependeu… que isso foi um erro… ou que você não queria… porque eu vi nos seus olhos. Eu senti no seu beijo.
Ela permaneceu ali, imóvel nos braços dele, o corpo rígido, mas o coração em frangalhos.
continuou, olhando diretamente em seus olhos, como se buscasse cada verdade não dita dentro dela:
— Não precisa dizer nada agora, mas não me empurra assim. Não depois disso.
sentiu as palavras dele se infiltrarem por entre suas barreiras, desmontando tudo o que ela estava tentando erguer para se proteger. Tudo dentro dela gritava que era perigoso. Que aquilo podia machucar ainda mais. Mas a forma como ele a segurava, como se ela fosse preciosa… fazia tudo parecer inevitável.
Ela engoliu em seco, sem conseguir desviar o olhar do dele, e sua voz saiu em um sussurro hesitante:
— Eu só… tenho medo, . É só isso.
Ele fechou os olhos por um segundo, como se estivesse absorvendo aquela confissão, e então assentiu levemente.
— Eu também tenho. Mas às vezes o que mais vale a pena… é o que mais assusta.
E ali, no meio da cozinha, com os ecos do jantar ainda pairando no ar, eles permaneceram assim: próximos, intensos, e em silêncio — cada um tentando lidar com o que, claramente, já não podia mais ser ignorado.
***
Alguns segundos depois, ainda em silêncio e com os corações descompassados, e saíram da cozinha e se juntaram a e na sala. O clima estava tranquilo, mas havia uma energia diferente no ar, como se algo tivesse mudado de forma sutil, porém definitiva.
lançou um olhar rápido para , tentando captar alguma pista sobre o que tinha acontecido entre os dois na cozinha, mas a amiga apenas deu um pequeno sorriso, o rosto ainda levemente corado.
Percebendo que o clima da noite já estava suavemente se dissolvendo, se levantou e alisou a barra da blusa.
— Bom… acho que está na hora de irmos. — Ela olhou para com carinho. — Você ainda precisa descansar mais.
— Concordo. — assentiu, se erguendo do sofá. — Foi uma ótima noite, mas nossa paciente precisa se recuperar.
se levantou também, fazendo um leve biquinho.
— Vocês cuidaram tão bem de mim… Obrigada mesmo, por tudo.
a abraçou primeiro, apertando-a contra si com um carinho visível.
— Qualquer coisa, você me liga. Sem desculpas.
— Pode deixar.
foi o segundo a abraçá-la, passando os braços pelos ombros de num gesto caloroso.
— Cuide-se, ok? E se não marcar o médico, vou te arrastar até lá à força.
— Eu sei. — Ela riu baixinho. — Obrigada, .
Então foi a vez de . Ele se aproximou com passos calmos, mas o olhar dele dizia tudo. Um misto de ternura, desejo contido e uma certa… certeza.
Sem dizer uma palavra, ele tocou de leve o queixo dela, inclinou o rosto e depositou um selinho suave em seus lábios. Foi rápido, mas doce. Íntimo o suficiente para fazer o coração de acelerar outra vez.
arregalou os olhos, boquiaberta, enquanto apenas sorriu, satisfeito, cruzando os braços como quem pensava "Até que enfim."
piscou algumas vezes, surpresa com o gesto, mas um pequeno sorriso floresceu em seus lábios — quase como uma rendição silenciosa.
— Até logo, . — murmurou, antes de virar-se para acompanhar os amigos até a porta.
Ela os observou sair, o peito ainda apertado por sentimentos que mal conseguia nomear. Mas, no fundo, uma coisa era certa: algo entre ela e havia começado, e já não havia mais como voltar atrás.
***
Enquanto os três desciam pelo elevador rumo à portaria do prédio, o silêncio inicial parecia carregado de expectativa — até que , ainda visivelmente em choque, quebrou o gelo:
— Ok, eu sou a única que viu aquele selinho acontecer? Porque... eu tô em choque real!
soltou uma risada baixa, enfiando as mãos nos bolsos.
— Eu vi também. E vou te falar: demorou, né?
virou-se imediatamente para , que mantinha a expressão serena, mas com o canto dos lábios sutilmente levantado.
— VOCÊ BEIJOU ELA?! — ela sussurrou alto, tentando conter a voz dentro do elevador. — Foi tipo… espontâneo? Planejado? Acidente? QUÊ?!
deu de ombros, com um ar tranquilo demais para o estado de choque da amiga.
— Foi natural. Aconteceu.
— Natural?! — bateu na testa. — Vocês pareciam tensos um com o outro na cozinha até cinco minutos atrás!
— Nem tudo que começa tenso termina assim, né? — disse, com calma, olhando de relance para o painel de andares.
riu outra vez, claramente se divertindo com a situação.
— Eu tô orgulhoso, hyung. De verdade. Finalmente você fez alguma coisa.
— Não fiz com a intenção de provar nada. — respondeu, agora um pouco mais sério. — Eu só… senti que precisava.
soltou o ar, entre o choque e a surpresa suavizada.
— Ela ficou surpresa também, viu? Mas não pareceu brava…
— Nem um pouco. — confirmou, quase num sussurro.
O elevador chegou ao térreo e as portas se abriram, revelando o saguão do prédio.
Enquanto saíam, ainda absorvendo tudo o que havia acontecido naquela noite, lançou um último olhar para os dois:
— Gente… esse ano mal começou e já tá parecendo um drama coreano completo.
sorriu.
— E a melhor parte é que a gente tá só no começo da história.
***
deitou-se na cama depois de escovar os dentes e colocar um de seus pijamas de algodão preferidos. O quarto estava silencioso, a luz suave do abajur criava sombras delicadas pelas paredes, e tudo parecia calmo… pelo menos por fora. Por dentro, o caos.
Ela fechou os olhos, mas era impossível não reviver o momento em que os lábios de tocaram os seus. Foi um beijo suave, porém cheio de intensidade. A forma como ele a segurou pela cintura, como seu toque foi ao mesmo tempo firme e cuidadoso… tudo aquilo ecoava em sua mente como uma lembrança viva, quente, quase impossível de ignorar.
Seu coração disparava só de pensar. Mas logo a euforia foi sendo engolida por outra sensação — mais densa, dolorosa. Tiziano.
A imagem dele invadiu sua mente como um fantasma do qual ela não conseguia fugir. O rosto tão parecido, os traços idênticos, até o sorriso torto que aparecia quando dizia algo que ela achava absurdo... tudo aquilo a confundia profundamente.
Ela virou-se na cama, abraçando um travesseiro contra o peito, sentindo um nó na garganta crescer.
— Eu tô tentando te substituir? — sussurrou para o vazio do quarto, como se pudesse falar com Tiziano.
As lágrimas surgiram sem que ela pudesse impedir. Sentia-se culpada. Culpada por estar sentindo algo por outro homem. Culpada por não conseguir deixar de ver o rosto de Tiziano nos olhos de . A dor da perda ainda estava ali, latente, recente demais para que ela conseguisse racionalizar qualquer emoção.
“Será que eu estou apaixonada por ele? Ou apaixonada pela memória de você?” — ela pensou, antes de esconder o rosto no travesseiro.
E naquela mistura de saudade, culpa e confusão, chorou baixinho, até o cansaço vencê-la.
***
O vapor quente preenchia o banheiro enquanto passava a toalha nos cabelos e depois sobre o tronco. Ele vestiu uma calça de moletom confortável e se apoiou na pia por um instante, ainda de frente para o espelho.
O rosto de surgiu em sua mente com uma nitidez quase incômoda — o brilho dos olhos dela, a delicadeza com que desviava o olhar, o jeito como ela ria com vergonha, e, claro, o beijo.
Ele sorriu pequeno, passando a mão pelos cabelos úmidos.
— Ela me deixa tão confuso... e tão em paz ao mesmo tempo. — murmurou para si mesmo.
Não era desejo passageiro. Era outra coisa. Algo mais profundo, que crescia silenciosamente desde o primeiro momento em que ela o olhou com aquele susto no olhar — como se já o conhecesse, mesmo sem nunca tê-lo visto antes.
Havia um mistério nela que o prendia. Mas mais do que isso, havia doçura. Uma dor silenciosa, que ele ainda não entendia, mas respeitava.
Deitou-se na cama e encarou o teto escuro, os pensamentos preenchidos por . Queria conhecê-la de verdade. Cuidar dela, se ela permitisse. Se ela permitir.
E com aquele pensamento simples — mas carregado de sentimento — fechou os olhos, desejando que, no tempo certo, ela deixasse.
***
O som dos sinos da porta principal soou quando entrou na Cantina. Estava com o rosto calmo, embora os olhos carregassem o cansaço de uma noite mal dormida. Usava um suéter claro, calça jeans escura e os cabelos estavam soltos, levemente ondulados, caindo com naturalidade sobre os ombros.
Assim que passou pelo salão, alguns funcionários a notaram e se aproximaram.
— Senhora Hartman, está melhor hoje? — perguntou uma das garçonetes, com um sorriso gentil.
— Estamos preocupados desde ontem… ouvimos dizer que você passou mal. — comentou um dos sommeliers.
forçou um sorriso sincero e respondeu com gentileza:
— Estou sim, muito melhor. Obrigada por se preocuparem, de verdade. Ontem foi só um dia difícil… mas hoje já estou bem.
Ela fez um breve aceno e seguiu em direção ao corredor dos fundos, onde ficava sua sala. Assim que virou o corredor, viu na frente da porta com uma prancheta nas mãos.
— Bom dia, chefe. — falou com um sorriso, olhando-a de cima a baixo com certo ar investigativo. — Está com cara de quem dormiu pouco.
deu um sorriso cansado e parou ao lado da amiga.
— Dormi, mas… sabe como é.
a observou por um segundo a mais, e depois se afastou da porta, abrindo-a para que ambas entrassem.
Assim que a porta se fechou, largou a bolsa na poltrona e suspirou. continuava com aquele olhar travesso no rosto, que fez levantar uma sobrancelha.
— O que foi agora?
se aproximou com ar teatral, sentando-se na cadeira de frente à mesa.
— Você vai mesmo fingir que nada aconteceu ontem com você e o ?
franziu o cenho, desviando os olhos, mas antes que dissesse qualquer coisa, arqueou as sobrancelhas:
— Não vem, . Eu vi! — apontou o dedo em sua direção. — Eu vi aquele selinho. Vi o olhar do . Vi seu rosto! E meu Deus, vocês estavam brilhando.
cobriu o rosto com as mãos, rindo sem graça.
— Ai …
— Ai , nada! Você vai me contar o que rolou naquela cozinha ou eu mesma vou contar pra Cantina inteira que a chefona está apaixonada.
abaixou as mãos devagar, o rosto ainda levemente corado.
— Não sei se apaixonada, mas… — ela mordeu o lábio inferior. — Aconteceu. Ele me beijou.
— E você deixou! — sussurrou, segurando o grito como quem vê um casal se formar no drama coreano preferido. — Eu tô orgulhosa!
riu, mas logo o sorriso vacilou.
— Mas também tô com medo, … muito medo.
suavizou o rosto, percebendo a mudança no tom da amiga, e se aproximou com carinho.
— Medo de quê?
abaixou os olhos, sussurrando:
— Medo de estar confundindo as coisas… medo de ainda estar muito presa ao Tiziano.
segurou a mão dela sobre a mesa.
— Você tem todo o direito de se sentir assim. Mas também tem o direito de viver o que está acontecendo agora. Sem pressa. Sem culpa.
assentiu devagar, tentando absorver aquilo. E por um momento, apenas ficaram ali, em silêncio — duas amigas, duas realidades coexistindo: o luto… e a possibilidade de um novo começo.
***
O som ambiente era tranquilo, com vozes abafadas e o suave ruído de aparelhos médicos. sentava-se ao lado da maca onde Nara estava deitada, o olhar fixo no monitor do ultrassom. O médico passava o transdutor sobre a barriga dela com cuidado, e logo um som forte e rítmico preencheu a sala.
— Essas são as batidas do coração do bebê. — disse o médico, com um sorriso profissional.
O som ecoou nos ouvidos de como um tambor distante, mas ao mesmo tempo íntimo. Ele prendeu a respiração por um instante, sentindo o coração apertar. Não era a primeira vez que acompanhava um exame, mas ouvir as batidas do filho pela primeira vez daquela forma — reais, vivas — fez algo dentro dele se transformar.
Seus olhos permaneceram fixos na tela, onde uma pequena figura ainda em formação se movia levemente.
Ele não disse nada, mas suas mãos se fecharam sobre os joelhos. O peito apertado não era de medo ou arrependimento — era de responsabilidade. De uma consciência que o atravessava como um raio silencioso:
Aquele ser minúsculo era seu filho.
— Está tudo ótimo com o bebê — disse o médico. — Frequência cardíaca perfeita, tamanho ideal para a idade gestacional. Parabéns aos dois.
Nara sorriu e agradeceu, e apenas assentiu, ainda absorvendo tudo.
***
Sentados em uma cafeteria discreta e aconchegante, Nara soprava a espuma do cappuccino enquanto observava o movimento da rua através da janela. Havia silêncio entre eles, mas não era incômodo. Era como se os dois ainda estivessem digerindo o momento que haviam vivido.
Nara foi a primeira a falar:
— Eu estava pensando em organizar um chá de fraldas... nada muito grande, mas algo carinhoso, sabe?
desviou o olhar para ela, surpreso.
— Já?
Ela deu um sorriso tímido.
— É, eu sei que parece cedo… mas a gestação vai avançando rápido e... eu queria fazer algo bonito. E queria que você estivesse presente. Não só presente, mas envolvido, .
Ele inclinou levemente a cabeça, ouvindo com atenção.
— Envolvido como?
— Quero que você chame os seus amigos. Pessoas próximas de você, da sua vida. Quero que nosso filho cresça sabendo que, mesmo com tudo, ele foi desejado e acolhido desde o começo.
ficou em silêncio por um tempo, olhando para a xícara de café à sua frente. Aquilo o tocava de um jeito estranho — bonito e incômodo ao mesmo tempo.
Ele queria ser um bom pai. Estava tentando. Mas não sabia se conseguiria ser tudo que Nara esperava.
— Tá bem. — ele disse por fim. — Se você acha importante, eu participo. Posso chamar alguns colegas… , talvez Yun, e…
Ele hesitou. Por um instante, pensou em .
Nara percebeu o pequeno silêncio, mas não perguntou nada. Apenas assentiu com um sorriso leve.
— Obrigada, . Vai significar muito pra mim. E pro bebê também.
Ele apenas retribuiu com um breve aceno, voltando a encarar a rua. O coração ainda acelerado com o som que ouvira no consultório.
As batidas do coração do filho. Um som que, agora, ele jamais esqueceria.
***
O restante da manhã de foi tomado por uma sequência de reuniões. Ele participou ativamente das discussões com os diretores, aprovou relatórios do setor de desenvolvimento e revisou propostas para novos projetos. Estava concentrado — ou ao menos tentava parecer —, mas sua mente voltava constantemente ao som das batidas do coração que ouvira horas antes.
Aquele som ainda ecoava em sua cabeça. Forte, apressado. Vivo. Seu filho.
Ao final da última reunião da manhã, ele saiu da sala e encontrou já esperando do lado de fora, com as mangas da camisa dobradas e um sorriso preguiçoso no rosto.
— Bora almoçar, hyung? Tô morrendo de fome.
— Claro. — assentiu, colocando as mãos nos bolsos da calça.
Os dois saíram do prédio e foram até o restaurante japonês que costumavam frequentar. Assim que se sentaram, com os pedidos feitos, o encarou de maneira mais direta.
— E então? Como foi o exame?
soltou o ar lentamente, recostando-se na cadeira.
— Foi... marcante. Ouvir as batidas do coração. Ver ele ali, na tela. Ainda tão pequeno, mas tão real.
sorriu, apoiando os braços na mesa.
— Eu imagino. Você parecia diferente quando chegou da clínica. Mais... sei lá. Reflexivo.
— Eu tô tentando entender tudo. Assumir essa responsabilidade, reorganizar minha vida, processar o que isso significa.
— E a Nara?
— Ela quer fazer um chá de fraldas. Me pediu pra participar, chamar pessoas próximas.
assentiu.
— Você vai, né?
— Vou. É o mínimo que eu posso fazer. Quero ser um bom pai.
Houve um breve silêncio entre os dois. Até que , com um olhar um pouco mais cuidadoso, perguntou:
— E a ?
demorou a responder. Mexeu nos hashis, olhou para a tigela de missoshiro que acabava de chegar. Só depois respondeu:
— Eu penso nela o tempo todo.
não disse nada, apenas o encarou com atenção.
— E quando estou com ela, parece que... as coisas se encaixam. Mesmo quando não deveriam. Mesmo quando tudo me diz que talvez eu devesse recuar.
— Por causa do bebê?
— Por causa de tudo. Do bebê, da Nara, do passado dela que eu desconheço. E, principalmente... de como ela me olha.
franziu o cenho, curioso.
— Como assim?
— Às vezes, parece que ela me vê... e não me vê. Como se estivesse olhando para alguém que eu não conheço. Como se eu carregasse uma história que não é minha.
absorveu aquilo por alguns segundos antes de dizer:
— Você está apaixonado por ela, hyung?
o encarou por longos instantes, e então respondeu com honestidade:
— Eu acho que estou. E é por isso que eu tenho tanto medo.
apenas assentiu, compreensivo.
— Então só não faz com ela o que a vida já fez, entende? Não desaparece. Não mente. Não esconde.
concordou silenciosamente.
E naquele restaurante comum, entre tigelas de arroz e sushi fresco, ele sentiu o peso da responsabilidade crescer — não só com o filho que viria, mas com a mulher que começava a ocupar cada vez mais espaço dentro dele.
O sol do meio da tarde aquecia levemente as calçadas de Seul, e , com um blazer leve jogado sobre os ombros, caminhava apressada pelas ruas próximas à Cantina. Tinha acabado de acompanhar pessoalmente uma entrega especial para um cliente habitual e fazia questão de garantir que tudo chegasse impecável. Mesmo depois de dias cansativos, ainda gostava de pôr a mão na massa — talvez por teimosia, talvez para continuar se sentindo viva.
Ao descer o pequeno degrau do acesso lateral à loja, distraída ao verificar algo no celular, seu pé escorregou no final da calçada, e um estalo agudo subiu pelo tornozelo.
— Ah! — Ela exclamou, tombando para o lado e caindo de joelhos, o corpo tremendo de dor imediata.
Algumas pessoas na rua olharam, e um funcionário da Cantina correu até ela.
— Senhorita Hartman! A senhorita está bem?
Ela tentava disfarçar, mas o rosto pálido e os lábios trêmulos entregavam a dor que latejava em ondas pelo tornozelo.
— Eu... eu só torci. Tá tudo bem. — murmurou , tentando se levantar, mas o peso no pé a fez soltar um gemido de dor, o corpo inclinado e os dedos se agarrando à lateral da parede mais próxima.
— Calma... não força. — disse o funcionário ao lado dela, segurando-a com cuidado.
Antes que ela pudesse insistir, ele passou o braço pelas costas de , envolvendo sua cintura com firmeza e ajudando-a a se apoiar.
Antes que ela pudesse insistir, ele passou o braço pelas costas de , envolvendo sua cintura com firmeza e ajudando-a a se apoiar.
— Vamos devagar. Eu te levo até sua sala.
Ela assentiu, mordendo o lábio inferior para conter a dor que irradiava do tornozelo. Passo a passo, cambaleante e apoiada no colega, conseguiu atravessar a lateral da cantina, entrando pela porta dos fundos até o corredor que levava aos escritórios.
Assim que entraram, , que organizava alguns papeis no balcão, ergueu os olhos e correu até eles com uma expressão de pânico.
— O que aconteceu?! — exclamou, já indo para o outro lado de , ajudando o colega a acomodá-la na poltrona da sala da gerente.
inspirou fundo e fechou os olhos, tentando se recompor antes de falar:
— Eu escorreguei lá fora... foi só uma torção. Já estou melhor.
— Melhor? Você mal consegue pisar no chão! — agachou-se diante dela, observando o tornozelo já inchado. — Isso precisa ser examinado. Vamos ao hospital agora. Eu vou com você!
negou com a cabeça, firme, embora o rosto estivesse pálido.
— Não, . Estamos no meio da tarde, tem movimento. Você precisa ficar aqui e tomar conta da cantina. Eu me viro, sério.
— , pelo amor de Deus... — lançou um olhar incrédulo. — Você vai se virar como? Com esse pé? Vai se arrastar até o carro?
soltou um suspiro cansado, como se o orgulho estivesse vencendo a razão.
— Eu só preciso de um pouco de gelo. Eu mesma levo o pé ao médico amanhã, com calma...
Mas não cedeu. Ela se levantou e pegou o celular.
— Vamos ligar pro. Ele te leva. Não tem desculpa, nem discussão. Ele atravessa Seul se souber que você tá assim.
— ... — murmurou, já sentindo o calor subir pelo rosto.
— Tarde demais. — já desbloqueava o celular, determinada. — Ele vai vir. E você vai deixar ele cuidar de você, nem que seja só por hoje.
***
andou até a porta da sala de , fechando-a suavemente antes de encostar-se na parede do corredor e puxar o celular com mãos um pouco trêmulas de preocupação. Procurou rapidamente por “” na lista de contatos e apertou para chamar.
O telefone chamou apenas duas vezes antes de ser atendido.
“?” — a voz de soou do outro lado, firme, mas curiosa. — “Aconteceu alguma coisa?”
Ela respirou fundo.
“Sim... e antes que você entre em modo executivo, já te aviso: está tudo sob controle.” — fez uma pausa breve. — “Mais ou menos.” “Fala logo, .” — ele pressionou, já se levantando da cadeira, como se seu corpo já soubesse que precisaria agir.
“A torceu o tornozelo. Escorregou na calçada da lateral da cantina. Tá com muita dor e mal consegue pisar no chão. Ela quer fingir que tá tudo bem, claro. Tentou me convencer a deixá-la ir sozinha pro hospital ou esperar até amanhã. Você conhece ela…”
Houve um segundo de silêncio do outro lado da linha. Um silêncio tenso, carregado.
“Onde ela tá agora?”
“Na sala dela. Eu ajudei a acomodar, coloquei gelo. Mas ela tá teimando em ficar aqui e não quer sair no meio do expediente.”
“Fica com ela. Tô saindo agora. Chego em quinze minutos.”
“…”
“. Só... fica com ela.”
Ele desligou antes que ela pudesse dizer qualquer outra coisa. suspirou aliviada, já prevendo a reação de quando descobrisse que ele estava a caminho. Ainda assim, ela sabia: era disso que a amiga precisava — mesmo que ainda não tivesse coragem de admitir.
voltou rapidamente para a sala e, ao empurrar a porta, seu coração acelerou ao verde pé — ou pelo menos, tentando.
Ela estava apoiada no encosto da poltrona, arrastando-se com dificuldade em direção à própria mesa, o corpo tenso e o rosto contorcido numa expressão de dor.
— Ai… — soltou um gemido baixo ao tentar apoiar minimamente o pé machucado no chão, apenas para se arrepender no mesmo instante.
— Mas o que você pensa que tá fazendo?! — exclamou, correndo até ela.
suspirou, vencida, e se encostou na lateral da mesa, soltando o ar pela boca.
— Eu só queria pegar a minha bolsa. Tá ali em cima… não achei justo você fazer tudo por mim.
— E eu não acho justo você desmaiar de dor no meio do expediente porque não consegue ficar parada um minuto! — respondeu, já colocando a bolsa de sobre a cadeira com firmeza. — Você precisa parar, . Aceita ajuda.
passou as mãos pelos cabelos, frustrada, o rosto ainda pálido.
— Eu odeio me sentir fraca assim…
suavizou o tom ao ver o cansaço na amiga.
— Você não tá fraca. Só tá… machucada. E tentando bancar a heroína numa situação onde não precisa.
não respondeu, apenas desviou o olhar. O orgulho ainda falava alto, mas a dor estava vencendo. se aproximou com calma, segurando sua mão.
— Ele tá vindo, tá bom?
virou o rosto imediatamente, os olhos arregalando.
— Quem tá vindo?
deu um meio sorriso, cúmplice, e respondeu com toda calma do mundo:
— O . Eu liguei. Ele tá a caminho.
ficou em silêncio por alguns segundos. Depois suspirou, quase derrotada — não por raiva, mas pela mistura de alívio e vulnerabilidade que sentiu ao saber que ele vinha.
— Claro que você ligou pra ele…
— E claro que ele largou tudo e tá vindo. — completou, apoiando-a de volta na cadeira com cuidado. — Porque ele se importa, . Mesmo que vocês dois ainda estejam tentando entender o que isso significa.
ficou ali, quieta, com o tornozelo latejando e o coração... também.
***
Alguns minutos depois, o som de uma notificação suave ecoou na bolsa de . Ela puxou o celular e leu rapidamente a mensagem.
: “Já cheguei. Estou na entrada lateral.”
Ela sorriu sozinha, mais por alívio do que qualquer outra coisa, e se levantou silenciosamente da cadeira ao lado de .
— Eu já volto, vou ali pegar uma coisa. — disse, evitando o olhar direto da amiga para não entregar demais.
apenas assentiu, exausta, o tornozelo ainda latejando sob a bolsa de gelo.
atravessou o corredor da cantina e logo avistou parado próximo à porta de vidro. Ele vestia um blazer escuro e ainda estava com o rosto um pouco tenso, como se tivesse saído do trabalho sem pensar muito. Assim que a viu, deu alguns passos em sua direção.
— Onde ela está? — perguntou de imediato, a preocupação nítida em sua voz.
— Na sala dela. Está tentando bancar a durona, mas está com dor. — respondeu , caminhando ao lado dele.
— Claro que está. — ele murmurou, já ajustando o paletó e ajeitando a postura. — Obrigado por ter me avisado.
— Ela vai ficar brava por isso… mas no fundo, vai agradecer. — disse com um sorriso gentil. — Vai com calma, tá bom? Ela tá mais sensível do que demonstra.
apenas assentiu e, com um gesto de cabeça, indicou que estava pronto. Eles seguiram juntos pelo corredor. Quando chegaram à porta da sala, se virou para ele.
— Eu vou deixar vocês a sós. Ela precisa disso.
Ele assentiu, respirando fundo antes de bater levemente na porta entreaberta e entrar.
***
ergueu o olhar ao ouvi-lo entrar. Seu coração saltou no peito no mesmo instante, mas ela tentou disfarçar, endireitando-se na cadeira mesmo com o incômodo no pé.
fechou a porta atrás de si com delicadeza e deu alguns passos até o centro da sala, parando a poucos metros dela.
— Então… escorregou? — ele perguntou com uma voz calma, mas o olhar atento passeava do rosto dela até o tornozelo inchado sob a bolsa de gelo.
— Aparentemente eu ainda não aprendi a andar direito. — ela brincou, forçando um sorriso leve, mesmo com a dor.
— Devia ter me esperado para fazer as entregas. — ele disse, se aproximando com cuidado. — Ou me deixado levar você naquela primeira vez.
Ela abaixou os olhos, sentindo o peso da preocupação dele.
— Eu sei. Mas você já tem tantas coisas... eu não queria ser mais uma.
— Você já é uma. — ele respondeu, com honestidade, ajoelhando-se ao lado dela.
o encarou surpresa, mas antes que dissesse qualquer coisa, ele ajeitou melhor a bolsa de gelo, com a delicadeza de quem cuida de algo frágil.
— me disse que você queria ir sozinha ao hospital. Você não precisa fazer tudo sozinha, .
— Eu sei... — ela murmurou, a voz vacilando um pouco. — Eu só... às vezes, não sei como deixar alguém cuidar de mim.
levantou o rosto, o olhar firme no dela.
— Então deixa. Começa agora.
E naquele instante, o silêncio entre eles não era desconfortável. Era um convite. Um passo para algo novo — mais calmo, mais íntimo. Algo que, talvez, finalmente começasse a curar os dois.
ainda estava digerindo aquelas últimas palavras quando sentiu se levantar lentamente diante dela. O olhar dele continuava fixo no dela, mas agora havia uma suavidade ali… algo silencioso, quase protetor.
— Aonde você vai? — ela perguntou, confusa ao vê-lo tirar o blazer e dobrar as mangas da camisa social até os cotovelos.
— Levar você ao hospital. — ele respondeu com simplicidade, como se não houvesse alternativa. — Eu já deixei o carro pronto lá fora.
— Eu posso... — ela começou a protestar, mas ele apenas inclinou a cabeça com leveza.
— Pode nada, .
Antes que ela pudesse completar qualquer frase, ele se abaixou ao lado da cadeira, cuidadosamente deslizando um braço por detrás das costas dela e o outro sob seus joelhos.
— ... — ela sussurrou, alarmada. — Você não precisa fazer isso.
Ele parou por um segundo e olhou para ela com seriedade.
— Preciso sim. Porque você não vai sair mancando e fingindo que está bem só pra provar algo pra alguém. E porque... eu quero.
Ela não conseguiu responder. Não soube como. E antes que percebesse, já estava envolvida pelos braços dele, sendo erguida com facilidade, como se fosse a coisa mais leve que ele já segurou na vida.
passou um dos braços pelo pescoço dele, os olhos arregalados pela proximidade. O calor do corpo dele era reconfortante, o perfume discreto misturado ao aroma de loção pós-barba fez seu estômago se revirar de forma inesperada.
— Você tá bem? — ele perguntou, a voz próxima ao ouvido dela.
— Uhum... — ela respondeu, quase sem voz.
Ele saiu com passos firmes da sala, atravessando o corredor da Cantina sem se importar com olhares. , que estava no balcão organizando papeis, levantou os olhos e piscou rápido, abrindo a boca ao vê-los.
— O plano foi mais ousado do que imaginei. — murmurou ela para si mesma, correndo até a porta lateral para abrir caminho para os dois.
agradeceu com um aceno breve e atravessou a calçada com cuidado até o carro que havia estacionado quase na porta. Abriu a porta do passageiro e a acomodou com delicadeza no banco, inclinando-se para ajustar o cinto de segurança ao redor dela.
observava tudo em silêncio, sentindo o coração bater num ritmo errático. A forma como ele cuidava dela... era diferente. Quente. Seguro. Familiar e novo ao mesmo tempo.
— Obrigada por vir. — ela disse, num fio de voz, enquanto ele fechava a porta.
deu a volta no carro e entrou no banco do motorista, lançando-lhe um rápido olhar antes de dar partida.
— Eu viria quantas vezes fosse preciso, .
E com essa frase, o carro deslizou pelas ruas de Seul, levando-os ao hospital — e, sem que eles soubessem, um pouco mais perto um do outro também.
***
O carro estacionou suavemente na entrada de emergência do hospital, e já saiu do veículo antes mesmo que o segurança local se aproximasse. Ele deu a volta com passos decididos, abriu a porta do passageiro e, sem pedir permissão, curvou-se novamente para pegar nos braços.
— , eu juro, eu consigo andar até a recepção... — ela protestou, corando ao ver o movimento ao redor da entrada.
— Consegue mesmo? — ele perguntou com uma sobrancelha arqueada e um sorriso debochado nos lábios.
Ela hesitou por um segundo, o tornozelo pulsando em resposta. E antes que tivesse tempo de refutar, já estava mais uma vez envolvida pelo calor e firmeza dos braços dele, o rosto próximo demais ao pescoço de , sentindo o coração bater forte, não só pela dor — mas por tudo.
Um dos funcionários do hospital, ao perceber a aproximação, correu para dentro e logo voltou com uma cadeira de rodas.
— Pode deixá-la aqui, senhor. Vamos cuidar dela agora.
— Obrigada. — respondeu com gentileza, agachando-se para colocá-la na cadeira com o mesmo cuidado de antes.
bufou, ajeitando o suéter sobre o colo e murmurando algo em italiano que ele não entendeu, mas imaginou perfeitamente o tom.
— Isso tudo é exagero. Eu só torci o tornozelo… não estou morrendo.
— E ainda bem. — ele sorriu, tirando o celular do bolso. — Mas isso não significa que você não mereça ser tratada como prioridade.
Ela não soube se sorria ou revirava os olhos, então fez os dois ao mesmo tempo.
***
Sentada na cadeira de rodas, observava preenchendo a ficha com um porte levemente impaciente, franzindo o cenho ao tentar lembrar a grafia do sobrenome dela.
— Hartman com dois “n’s”, né? — ele murmurou, sem erguer os olhos.
— É italiano. Claro que é com dois “n’s”. — ela respondeu, sarcástica.
Ele soltou um risinho discreto, entregando a ficha ao atendente. A moça atrás do balcão não disfarçou o olhar curioso alternando entre eles, especialmente depois de observar como ele ajeitava a manta sobre o colo de com naturalidade.
— Pode aguardar ali. A triagem vai chamar em instantes. — a atendente informou, indicando um pequeno espaço reservado para emergências leves.
empurrou a cadeira até lá e se sentou ao lado dela. O silêncio que caiu entre eles não era incômodo. Era carregado de tudo que não havia sido dito nos últimos dias. De todas as dúvidas, hesitações… e daquela estranha paz que se instalava toda vez que estavam juntos.
— Se continuar me carregando por aí, as pessoas vão achar que eu sou sua esposa. — ela comentou, de repente, em tom leve.
virou o rosto devagar para encará-la.
— E o que você responderia, se achassem?
o olhou por um momento mais longo do que pretendia. Então, desviou o olhar com um meio sorriso.
— Que minha sorte anda meio torta ultimamente.
— Ou que você caiu de amores por mim. — ele provocou, divertido.
— Caí do degrau, só. — ela respondeu, erguendo o queixo.
Os dois sorriram ao mesmo tempo, e logo o nome de foi chamado pela enfermeira.
Ela suspirou, voltando a encará-lo.
— Vai esperar por mim?
— Sempre. — ele disse, sem hesitar.
E com isso, ela foi levada para dentro da sala de atendimento, sem saber se a dor no tornozelo ainda era a pior parte… ou se o coração começava a doer um pouquinho mais sempre que ele dizia coisas assim.
***
O trajeto de volta ao apartamento foi tranquilo, mas o silêncio dentro do carro era diferente daquele que os acompanhara na ida ao hospital. Agora, havia um conforto ali. Um entendimento tácito — como se o cuidado dele e a entrega dela tivessem finalmente encontrado um ponto de equilíbrio.
Quando chegaram ao prédio, saiu primeiro e deu a volta com naturalidade, abrindo a porta e se abaixando mais uma vez para pegá-la nos braços.
— Você vai ficar com dor nas costas de tanto fazer isso por mim hoje. — ela disse com um tom bem-humorado, mas com um olhar mais doce.
— Só se você continuar me fazendo carregar a culpa de te deixar sair sozinha. — ele retrucou, arqueando a sobrancelha enquanto subia os degraus da entrada com cuidado.
Chegaram à porta do apartamento e fez uma pausa, percebendo que teria que equilibrar de um lado e a chave do outro.
— Tá vendo? Agora sim você vai provar que é multifuncional. — ela comentou com uma risadinha debochada.
— Não me subestime, senhorita Hartman. — ele murmurou, esticando a mão até o chaveiro preso à bolsa dela, destrancando a porta com uma precisão surpreendente, mesmo com ela nos braços.
Quando entraram, o apartamento estava silencioso e levemente aquecido pela calefação. Ele a carregou diretamente até o quarto, com o caminho já conhecido. Assim que chegaram, a deitou com delicadeza sobre a cama, posicionando-a sentada entre as almofadas grandes que cobriam a cabeceira.
— Quer que eu pegue algo? Um pijama? Chá? Um banho?
o olhou com expressão serena, mas os olhos ainda brilhavam com o que pareciam ser resquícios da tarde intensa.
o olhou com expressão serena, mas os olhos ainda brilhavam com o que pareciam ser resquícios da tarde intensa.
— Um banho seria ótimo… mas eu consigo ir mancando até lá, juro.
Ele a encarou por um momento, como se ponderasse.
— Não quero que se machuque de novo. — disse, baixo. — Se quiser, posso te ajudar. Só... até o banheiro. Ou... — deu de ombros — você me diz onde estão as coisas e eu preparo tudo pra você.
o observou, o coração acelerando levemente com a oferta. Por um instante, pensou em negar. Mas a verdade é que... ela queria que ele ficasse.
— Me ajuda até o banheiro. Só isso. Depois eu me viro.
— Fechado. — ele respondeu com um sorriso contido, estendendo a mão.
Ela se levantou com a ajuda dele, passando o braço ao redor de seu ombro, e caminharam juntos, aos poucos, até o banheiro, o passo dela trêmulo, mas mais leve do que qualquer outro desde a queda.
— Você tá perdendo o juízo, sabia? — ela disse, rindo suavemente.
— Já perdi, acho. — ele respondeu sem pensar. E só depois percebeu que era a mais pura verdade.
Chegaram ao banheiro devagar, os passos de curtos e cuidadosos, o braço ainda apoiado firmemente sobre os ombros de . Ele segurava sua cintura com delicadeza, guiando-a como se cada movimento precisasse de total atenção.
Assim que cruzaram a porta, ela se soltou devagar dele e se apoiou na bancada da pia, testando o equilíbrio.
— Pronto. Agora é só daqui pra frente. — disse ela, virando-se levemente para ele com um pequeno sorriso nos lábios.
, porém, ficou parado por um instante, os olhos passeando discretamente pelo espaço, como se estivesse avaliando se ela realmente ficaria bem sozinha.
— O tapete aqui é escorregadio. — ele comentou, se abaixando para ajeitá-lo melhor. — E esse vidro da ducha não tem apoio nenhum. Você tem certeza de que não quer que eu fique por perto? Só por precaução.
riu suavemente, inclinando um pouco a cabeça.
— Você quer dizer… parado do lado de fora da porta com cara de segurança?
— Exatamente isso. — ele respondeu, meio rindo, meio sério.
Ela o encarou por alguns segundos, os olhos encontrando os dele com mais doçura do que ousaria demonstrar em outra situação. Mas havia algo diferente naquela noite. Uma confiança, uma entrega silenciosa. Um querer.
— Fica, então. Do lado de fora. Só por precaução. — disse por fim, mordendo de leve o canto do lábio inferior, antes de se virar de costas e fechar a porta com calma.
Do outro lado, encostou-se à parede, cruzando os braços e olhando fixamente para o chão. Não estava ali por obrigação — estava ali porque queria. Porque a ideia de que algo pudesse acontecer com ela, por menor que fosse, o incomodava mais do que admitiria em voz alta.
***
Lá dentro, se despia devagar, sentindo o calor da água preencher o banheiro com um vapor leve e reconfortante. Ao entrar na ducha, deixou que a água morna escorresse pelos ombros, acalmando os músculos tensos, mas não o turbilhão dentro do peito.
Ela pensava nele. Pensava em como era atento aos detalhes, em como havia aprendido suas expressões, em como se posicionava ao lado dela — firme, presente, constante. E sentia culpa. Sentia Tiziano pairando entre um toque e outro, entre um gesto e um olhar.
Mas, pela primeira vez… a lembrança não doía tanto quanto antes. Porque o homem que esperava do outro lado da porta não estava tentando ocupar o lugar de ninguém. Estava construindo o seu.
Quando saiu do banho, envolta em uma toalha longa, abriu a porta com cuidado. ainda estava ali. Os braços agora cruzados sobre o peito, o olhar distraído no chão, mas ele se endireitou no mesmo instante em que a viu.
— Sobreviveu? — ele brincou.
— Por pouco. — ela respondeu, com um sorriso tímido. — Mas obrigada por ficar.
— Eu fico a noite toda, se você pedir. — ele respondeu, quase num sussurro.
Ela baixou os olhos, envergonhada, mas com o coração aquecido.
— Pode me ajudar a voltar pro quarto?
— Claro.
Com um aceno silencioso, se aproximou e passou um braço firme ao redor da cintura de , enquanto ela apoiava uma das mãos em seu ombro. A toalha envolvia o corpo dela com segurança, e mesmo que houvesse um certo constrangimento no ar, a intimidade parecia natural… quase inevitável.
Os dois caminharam juntos em direção ao quarto, os passos lentos, sincronizados, cheios de uma tensão silenciosa que se infiltrava nos espaços entre os toques, nos suspiros contidos e nos olhares que se desviavam por pura autopreservação.
— Você devia receber um certificado. — ela disse com a voz baixa, já mais relaxada, enquanto se aproximavam da cama.
— Por?
— Suporte emocional e físico avançado. — ela respondeu, com um sorriso discreto, ainda ofegante do esforço. — Não é todo mundo que sabe lidar com uma mulher meio destruída, manca, teimosa e enrolada emocionalmente.
riu baixinho, aquela risada suave e grave que ela começava a reconhecer como uma espécie de abrigo.
— Ainda bem que eu tenho paciência com vinhos jovens e processos demorados. Você deve ser algo entre um rótulo raro e uma tempestade difícil de decifrar.
Ela mordeu o canto do lábio, e os olhos se encontraram por um segundo a mais do que deveriam.
Chegaram à beirada da cama, e ajudou-a a se sentar, mantendo a mão em sua cintura como se temesse que ela escorregasse. Ela se acomodou com um leve suspiro e olhou para ele, os fios úmidos de cabelo grudando em sua pele, os olhos mais suaves, menos defensivos do que de costume.
— Quer que eu busque seu pijama? — ele perguntou, ainda de pé diante dela.
— Está na primeira gaveta… — ela respondeu com a voz baixa, quase hesitante.
Ele assentiu e foi até a cômoda, abrindo a gaveta indicada. Pegou o conjunto de pijama e voltou até ela, estendendo-o com naturalidade.
— Obrigada, . — ela disse, olhando para o tecido dobrado nas mãos antes de encará-lo de novo. — Por tudo isso. Por… ficar.
— Eu fico porque quero. — ele respondeu sem desviar os olhos. — E porque você precisa — mesmo que ainda não saiba como pedir.
Ela assentiu lentamente, engolindo o nó que começava a subir pela garganta. O cansaço, a dor, o banho quente, o cuidado dele… tudo somado tornava a atmosfera densa, mas acolhedora. Tinha algo ali que começava a se parecer com intimidade real, não só atração.
— Eu vou esperar lá fora. — ele disse, antes que ela se sentisse sobrecarregada com a própria vulnerabilidade. — Se precisar, só chama.
— ? — ela o chamou antes que ele saísse completamente do quarto.
Ele parou, com a mão na maçaneta.
— Você se importa de ficar… só um pouco mais? Aqui?
Ele virou-se devagar, surpreso. O rosto dela não pedia muito. Só presença. Só um pouco de silêncio a dois. Só um respiro.
Ele voltou sem hesitar. Sentou-se ao lado dela na cama — de costas para ela, respeitoso, paciente — e esperou.
soltou o ar devagar, abraçando o pijama contra o peito, e entendeu naquele momento o que a diferença entre estar com alguém e ser acolhida por alguém realmente significava.
***
Minutos depois, já vestida com seu pijama de algodão macio, se ajeitou debaixo das cobertas, os cabelos ainda levemente úmidos sobre os ombros. permanecia ali, sentado na beirada da cama, de costas para ela, com os cotovelos apoiados nos joelhos e os dedos entrelaçados, numa postura que misturava calma e contenção.
— Pode se virar agora… — ela disse baixinho, com um toque de timidez na voz.
Ele se virou devagar, com um leve sorriso, e quando os olhos dos dois se encontraram, havia ali um tipo de ternura que desarmava. se levantou como se fosse se despedir, mas ela puxou levemente a manga da camisa dele, impedindo o movimento.
— Fica mais um pouco?
Ele assentiu, sentando-se novamente. Dessa vez, mais perto.
— Quer que eu te distraia de alguma forma? Posso te contar uma curiosidade aleatória sobre tecnologia... — ele brincou, fazendo ela rir baixinho.
— Se você me contar mais sobre chips e processadores, acho que eu durmo antes da segunda frase.
— Ei! — ele fingiu indignação, e então balançou a cabeça sorrindo. — Tudo bem, que tal… uma história vergonhosa da minha adolescência?
arqueou uma sobrancelha, interessada.
— Agora sim estamos falando a minha língua.
E assim, ele começou a contar sobre a vez em que tentou impressionar uma garota no colégio programando um robô para entregar flores na aula... e o robô travou no meio da sala e começou a repetir “você é linda, você é linda” em loop, até o professor desligar a energia da sala.
chorava de rir ao final da história, com a mão sobre o estômago.
— Meu Deus, isso é tão pior do que eu imaginei.
— Eu sei. Foi o meu auge e meu fim no mesmo dia. — ele confessou, rindo junto.
A risada foi diminuindo até sobrar apenas o som tranquilo da respiração dos dois. O quarto ficou em silêncio por um instante, mas agora era um silêncio confortável, como se qualquer palavra pudesse quebrar a bolha íntima que se formara entre eles.
o olhou com mais atenção agora. Os cabelos um pouco bagunçados, a camisa social com as mangas ainda dobradas, a expressão serena... e o olhar fixo nela.
— Obrigada... de verdade. Por hoje, por tudo.
— Não precisa agradecer, . Eu tô aqui porque quero estar. — ele respondeu, mais uma vez com aquela franqueza desarmante.
Ela se inclinou um pouco, os olhos presos aos dele.
— Eu não sei se estou pronta pra tudo isso. Mas quando você me olha assim… — ela mordeu levemente o lábio inferior, hesitando. — ...eu esqueço do que tenho medo.
se aproximou mais, devagar, como se esperasse qualquer sinal de recuo. Mas não recuou. Os olhos dela fecharam-se lentamente quando ele passou os dedos pela lateral do rosto dela, acariciando com suavidade.
E então, o beijo aconteceu.
Dessa vez, não foi movido por impulso ou urgência. Foi mais calmo, mais exploratório — cheio de cuidado e desejo contido. Os lábios se encontraram devagar, e se reconheceram como se pertencessem àquele momento há muito tempo. Não havia pressa. Apenas uma vontade mútua de estender aquele toque, de permanecer ali por mais alguns segundos.
Quando se afastaram, ainda tinha os olhos fechados e os dedos presos na barra da camisa dele.
— Isso não me pareceu só amizade. — ela sussurrou.
— E não era. — ele respondeu, passando a mão pelos cabelos dela com carinho.
Ela sorriu. E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez pudesse seguir em frente sem apagar o passado — mas construindo algo novo no presente.
E naquela noite, com ainda sentado ao seu lado, sem pressa de ir embora, ela dormiu pela primeira vez em paz.
Continua...
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Nota da autora: "Esse capítulo foi meio que mais focado no Inyeop e nos sentimentos dele, pois a autora de vocês conheceu o querido pessoalmente no fanmeeting dele no Brasil, e aí eu não poderia deixar de focar o capítulo nele, né? O homem mais lindo que eu já vi pessoalmente na vida, e nem é exagero haha. Aproveitem o capítulo, um beijo 😘"