"Minhas memórias são caleidoscópicas minha
mente começa competir rodando e rodando
Assim muitas vezes, eu esqueço-me de que eu tento aderir as
minhas memórias leves"
Passei a noite deitado na cama, sozinho e remoendo o passado. Toda culpa que eu senti no momento da despedida de anos atrás, eu revivo agora. Mais forte. Vívida. Ela parece me golpear, rasgando minha alma aos poucos.
Se eu pudesse voltar no tempo…
e eu somos amigos. Ou éramos. Nos conhecemos ainda no fundamental. Ela parecia tão frágil e indefesa naquela época, sempre foi a menor da sala, nós dois sempre caímos na mesma turma. Era engraçado que andávamos para cima e para baixo como namorados e, no ensino médio, acabamos oficializando o relacionamento. Após o ensino médio, eu e ela planejamos nosso futuro juntos, sempre nos incluímos nos planos um do outro. Até o fatídico (ou não) dia em que eu aceitei a tal proposta.
Já estava tudo planejado, tudo certo para nosso casamento, já tínhamos até uma casa próxima aos nossos trabalhos, na época. Um belo dia, recebi uma ligação de uma das maiores produtoras do país. O motivo? Um convite para fazer parte de uma nova banda que eles iam promover, queriam que eu fosse um dos vocalistas. Perfeito, não? É, seria mesmo caso não fosse na capital e eu morasse no norte do país, bem longe da capital. ficou muito feliz e já mudou seus planos, pesquisando trabalhos na capital. Porém, logo desistiu, pois eu disse a tão temida frase que a fez chorar em desespero.
— Eu vou para a capital sozinho. Eu não te amo mais.
Essa foi a minha primeira mentira e meu eterno arrependimento.
[...]
Já amanheceu e estou acordado navegando pelos sites de revistas e jornais atrás de uma pista de onde trabalha. Eu sei que é um jornal ou revista importante da região.
— Então é aqui que a senhorita trabalha… — disse para mim mesmo assim que achei o site da revista que trabalha. Anotei o endereço e fui tomar banho.
Assim que fiquei pronto, desci até o estacionamento do prédio e parti com meu carro até o trabalho dela. No caminho, me ligou, queria que eu o acompanhasse até um evento mais tarde. Bom, se o meu plano der certo, eu já terei compromisso mais tarde, algo inadiável.
[...]
O prédio onde fica a sede da revista é bem luxuoso. Assim que botei o pé na recepção do prédio, fui cercado por algumas fãs que me reconheceram de longe. Após me desvencilhar delas, com a ajuda dos seguranças do prédio, eu peguei o elevador indo até o décimo sétimo andar. Parece que as funcionárias da recepção avisaram que eu estava subindo, pois, assim que a porta do elevador se abriu, eu fui
engolido por várias mulheres com papéis e canetas nas mãos, além, claro, de celulares com a câmera ativada, prontos para uma selfie.
— Calma, meninas! Calma. — eu disse, tentando me comunicar em meio àquela confusão que se formou.
— ! Me dá um autógrafo, por favor! — disse uma delas.
— Claro! — peguei a caderneta que ela segurava e fiz o que ela pediu, ao devolver o objeto eu sussurrei no ouvido dela —
Onde posso encontrar a srta. ? — vi que a pele de sua nuca se arrepiou e aquilo me arrancou um sorriso.
— A-A-Ali — gaguejou ela, apontando para uma mesa lá ao fundo do andar.
— Me leva lá, princesa? — sussurrei novamente.
— Cla-Claro, , eu, eu, eu te levo. — parece que as pessoas ficam gaguejantes na minha presença. Ela me levou até a mesa da .
Chegando lá, encontrei ela sentada em frente ao computador, concentrada. Agradeci a mocinha que me trouxe e pigarrei para chamar a atenção da , que ainda não havia me notado ali.
— Pois não… — ela virou a cadeira e então pude ver sua aparência mais de perto. Ainda usa óculos (pelo visto o grau aumentou desde a última vez), ainda tem o mesmo olhar perdido quando fica confusa ou surpresa, sem contar que ainda não gosta de usar maquiagem, apesar dela ficar incrivelmente mais linda quando maquiada. —
… — e ela ainda tem a mania de me chamar assim. Parece que estamos no ensino fundamental novamente.
— Bom dia,
-chan — eu disse com um sorriso provocador no rosto. Ela manteve sua postura fechada.
— O que faz aqui, ? — questionou, cruzando os braços.
— Vim te ver, já que você sabia que eu estava na entrevista e nem se deu ao trabalho de vir falar comigo — eu disse e puxei uma cadeira próxima, sentando-me em seguida, sem tirar meu olhar dela. — Estava com saudades.
— Ah, você sente saudades minhas? Interessante — seu tom era muito irônico. Acho que ela ainda está chateada comigo. [
n/a: você acha, meu filho?]
— -chan, vamos lá, vim te fazer um convite irrecusável — mantive minha postura firme para não demonstrar para ela que estou nervoso. Apesar de que, ela me conhece bem demais, e já deve ter notado.
— Diga…
— Aceita sair comigo para jantar hoje? Vamos ao lugar que você quiser, você quem manda, .
A resposta não veio, num primeiro momento, a expressão dela estava pensativa e aquilo não estava me agradando nada. Depois de quase dois minutos calada e imóvel, me encarou, tinha um sorriso malicioso no rosto, mas não o malicioso que eu esperava.
— Aceito. Vá me buscar às 19h nesse endereço — ela pegou um bloco de notas e anotou o endereço dela, destacando o papel e me entregando. — E não se atrase, odeio atrasos.
Ela se levantou e saiu, me deixando sozinho por poucos segundos, pois logo as colegas de trabalho dela me cercaram, curiosas por saberem de onde eu conhecia a . Depois de me livrar delas, eu voltei para casa. Ao chegar em meu apartamento, eu fiquei pensando na reação da . Ela não me parecia muito
feliz ao receber meu convite para jantar. Na verdade, ela me pareceu satisfeita, como se esperasse por aquilo há anos, mas não para matar a saudades de mim. Desconfio que seja uma cilada ir a esse jantar. Porém, estou com tanta saudade dela que preferi ignorar essa desconfiança e apenas aproveitar a companhia dela.
[...]
Já estou em frente ao prédio da aguardando por ela. Estou mais nervoso do que no dia em que saímos pela primeira vez, fomos até uma sorveteria próxima a minha casa, ainda no ensino médio. estava tão fofa, usava uma saia até os joelhos, uma blusa florida e os cabelos estavam soltos, diferente do costumeiro lacinho que prendia os cabelos dela ao ir à escola. Sem contar os enormes óculos de grau que ocupavam um terço do rosto dela, mas ficavam extremamente fofos. Me perdi na nostalgia…
—
?! — as batidas no vidro do carro me trouxeram de volta à realidade, destravei a porta e entrou, acomodando-se e fechando a porta em seguida. — Demorei muito? Me desculpe, odeio me atrasar, mas é que meu chefe inventou uma matéria de última hora só para me irritar.
— Não se preocupe, . Não esperei muito — respondi e notei o quão linda ela está. — Está muito bonita, . — ela pareceu corar com meu comentário e sorriu. Ainda era o mesmo maldito sorriso malicioso de mais cedo.
— Obrigada, , você continua sempre muito elegante. Desde que entrou para a banda que mudou seu estilo de vestir, parabéns. — elogiou ela e suspirou.
— Você acha? Ok, obrigado. Bom, para onde vamos? — questionei já com as mãos no volante.
— Sabe onde fica o
Ise Sueyoshi?
— Claro. Quer ir lá? — ela afirmou que sim com a cabeça e eu concordei — Vamos então, como eu disse: você manda.
sorriu, vitoriosa e eu dei a partida no carro. O
Ise Sueyoshi é um dos melhores restaurantes da cidade. Logo estávamos lá e fomos muito bem recebidos pelo
maitre que nos guiou até uma mesa reservada, a pedido meu. Nos acomodamos e pedimos o jantar. Engatamos uma conversa sobre o passado, mas não a parte da despedida, antes disso. Apesar da minha mente me trair, me lembrando de coisas que eu fiz e não me orgulho nem um pouco, relembrou dos momentos felizes que passamos juntos, antes do caos.
— Ah, , eu me lembro disso muito bem. Você não sabia andar de bicicleta e já estávamos no ensino médio — comentou ela, no meio do jantar, rindo.
— Isso não é coisa para se lembrar, ! — eu disse um pouco ofendido — Eu aprendi a andar nesse mesmo ano.
— Só depois que eu te ensinei, né? — riu ainda mais e completou: — Ah, , que divertido relembrar disso.
— Você ri, não é?
— Quer que eu chore,
meu bem?! — uma lembrança muito forte foi jogada em meu rosto e deixou transparecer meu sentimento de alegria ao ouvir ela me chamar assim tão intimamente. Ela notou e logo se corrigiu — Me desculpe, não temos mais essa intimidade.
— Mas podemos voltar a ter… — ela me encarou e engoliu em seco. Parece ter sentido a garganta secar e deu um gole no vinho, pondo a taça de volta e desviando o olhar de mim. — , eu…
— , é melhor nós não falarmos disso, está bem? São lembranças dolorosas demais para nós dois.
— Eu sei, você não sabe o quanto me arrependo…
— ! — sua voz saiu alterada e eu me calei, entendendo o recado.
Não tocamos mais no assunto. Na verdade, não falamos de mais nada. Recusamos a sobremesa, pedimos a conta e fomos embora. Ao estacionar o carro na porta do prédio dela, eu tentei me explicar, pedir desculpas de alguma forma.
— Me desculpe se te magoei… de novo — comecei falando e ela continuou calada — Te ver ontem me trouxe tantas lembranças fortes do nosso passado que eu fiquei atordoado. Junto com elas, me veio o arrependimento que eu senti naquela época — senti que nesse momento o olhar dela caiu sobre mim, mantive meus olhos voltados para minhas mãos que ainda estavam segurando o volante. — Arrependimento de ter mentido para você, de ter dito que eu não a amava, sendo que eu nunca deixei de sentir esse amor por você. Amor esse que jamais diminuiu, nem um só dia, nem um só segundo. Se arrependimento matasse, , eu já não estaria mais aqui vivo para te falar isso. Eu…
—
-chan…
Só ela me chamava assim, foi a segunda coisa que ela me disse quando nos conhecemos no ensino fundamental. Ela me disse seu nome, eu disse o meu e ela disse
“Ah, -chan…” com uma expressão muito fofa no rosto. Quando ela sorri, seus olhos se fecham mais e suas bochechas ficam rosadas e rechonchudas. Olhei para ela e a vi se aproximando de mim.
— Não precisa dizer mais nada, ok? — o toque de sua mão em meu rosto me fez derreter e eu quase chorei. De olhos fechados, eu assenti com a cabeça e, segundos depois, senti os lábios dela em minha boca novamente, depois de muitos anos.