Imagine só onde vim parar.
A hora não poderia ser pior para passar mais de 20 horas dentro de um avião e pousar no considerado “melhor aeroporto do mundo”. Mais uma hora em outro avião até Bucheon e meia hora até achar o apartamento em Dong-gu. Eu mal lembrava do meu próprio nome quando caí na cama já existente e me deixei levar pela exaustão.
Não lembro por quanto tempo eu dormi. Talvez por muito, porque meu telefone vibrava a uma frequência assustadora e as 20 chamadas perdidas da minha mãe me obrigaram a retornar a ligação antes mesmo de conseguir abrir os olhos direito.
— Se eu soubesse que teria de insistir tanto pra ter notícias suas, não a deixaria entrar naquele avião! — ranhou ela, gritando. Ou pelo menos pra mim parecia.
— Eu estava exausta! Tem noção de como foi difícil chegar aqui?
— Aqui já são cinco da tarde, então são praticamente dois dias inteiros sem saber de você! Compreende isso?! Acho que não, mas quando você for mãe…
Afastei o telefone. Fechei os olhos por mais dois segundos. Em um minuto ela mudaria o assunto.
Não deu outra.
— Mas e como é esse apartamento? Pequeno, grande? Dá pra pessoa se movimentar livremente, pelo menos? Vi uns vídeos assustadores, o fogão era ao lado da cama, uma loucura.
— Sim, mãe, ele é bem grande — eu ainda não havia reparado direito — Vou conseguir me mover sem problemas.
— E o tal laboratório? Já conseguiu achá-lo?
— Ah… Não? — eu só havia dormido — Mas deve ser fácil chegar lá, é bem perto daqui. E devo ter umas… — afastei o telefone o bastante para olhar as horas. Eram cinco da manhã — Três horas para procurá-lo.
— Não se atrase pro primeiro dia de trabalho! — ela murmurou, mandona. Um grito agudo soou no final de sua frase — O que foi, Victória? Quer falar com a ? Tudo bem, mas não demore muito, ela precisa se arrumar para o trabalho.
Depois de algumas palavras incompreensíveis, ouvi a voz de Victória do outro lado.
— Oi, ! Chegou bem?
— Cheguei, pirralha. O que está fazendo em casa? Achei que suas aulas terminavam às seis.
— Ah, já fiz todas as minhas provas. Sou muito inteligente, você sabe bem disso.
— Ainda bem, a mamãe não aceitaria menos do que isso — nós rimos.
— Mas, hein, … Você já encontrou um deles?
— Oi? — fui me sentando aos poucos, sabendo que não teria mais escapatória das obrigações.
— Garota! Você não encontrou ninguém do EXO? Ou do BTS, NCT, Twice, qualquer grupo?!
— Você tá maluca? Eu só fiz dormir desde que cheguei… E já falei, eu estou em Bucheon, não em Seoul! Nenhum idol mora aqui.
— É a cidade do Baekhyun, eu já te falei.
— E você acha mesmo que ele moraria aqui? Ele deve ter um apartamento de luxo em Gangnam, pra ser no mínimo realista.
— A mamãe disse que papai arrumou um bom apartamento pra você também, e tenho certeza de ter ouvido a palavra luxo.
— Ele está exagerando — suspirei, mas meu lábio tremeu. Eu mal havia olhado o apartamento.
— Mas então quando você vai a Seoul? — ela insistiu. O dia já clareava bastante lá fora.
— Não faço a mínima ideia. Agora preciso me situar na casa nova, pirralha. Vou desligar.
— Quando você for a Seoul, não esquece de me trazer uma lightstick do EXO! — ela deu um grito animado.
— Eu vou é comprar pra mim! Você que lute! — ela soltou uma gargalhada, me fazendo rir de novo — Agora é sério, preciso ir. Te amo, boa noite… Ou dia.
Assim que desliguei, espreguicei o corpo para acordar de vez. Com o dia acentuadamente claro agora, eu podia ver o quarto muito melhor. O piso de madeira parecia extremamente limpo, e tudo era tão… iluminado. A luz do dia penetrava muito bem pelo lugar.
Praticamente todos os móveis eram planejados. Já existia uma geladeira e um fogão. Fora isso, existia o vazio que dava eco até em meus pés descalços. E eu não podia negar: o lugar realmente era bem grande. Eu não precisava daquilo tudo, mas pelo visto meu pai achava que sim.
Não daria tempo de arrumar muita coisa, então apenas dei um jeito de limpar um pouco a geladeira porque com certeza compraria algo na volta do laboratório. A limpeza da geladeira se transformou em uma limpeza da cozinha inteira, que, por incrível que pareça, era o lugar onde eu mais queria ver tomando forma. Quando acabei já era hora de dar um jeito de sair.
O centro de pesquisas Bucheon-Gyeongbuk Research Center ficava há pelo menos meia hora em um táxi dali. Nunca tive tanta certeza da noção zero de espaço do meu pai, que havia garantido que o laboratório seria perto. Mas não posso culpá-lo, ele devia estar desesperado para me compensar de alguma forma.
O lugar era gigantesco. As pessoas se curvaram para me cumprimentar e eu não conseguia me segurar para fazer o mesmo. Arranhei meu melhor coreano para respondê-los e fiquei mais do que aliviada ao ver que o diretor do centro, Kylo Driver, falava inglês fluentemente.
Eu achei que as dificuldades da vida acadêmica ficariam mais fáceis a partir do mestrado. Mas durante toda aquela primeira semana, onde a adaptação do fuso misturada com meus perrengues em aprender melhor e treinar meu coreano eram um grande atributo pro meu cansaço. Eu lutava para não apenas ficar de pé, mas provar aos diretores que eu não havia mentido minhas notas no currículo (e nem minha competência).
Eu havia acabado de ingressar no doutorado na Bucheon University, que aparentemente era bem mais longe da minha casa do que o laboratório. Ao menos eu tinha poucas aulas e estudar nunca foi um problema pra mim; o laboratório estava me sugando bem mais. Foi a primeira vez que me perguntei por que razão eu havia escolhido trabalhar com química analítica.
Ao menos eu teria o final de semana livre. Seria uma ótima oportunidade para organizar minha próxima semana, para que eu não ficasse tão cansada. Eu poderia sair e conhecer algum ponto turístico. Ou simplesmente poderia terminar de guardar minhas coisas.
Eu não sabia o que faria. Só sabia que naquele final de sexta, tudo que eu queria era chegar em casa e me jogar na cama, porque ainda não tinha um sofá.
Aquele dia tinha sido especialmente corrido. Tive de entregar um relatório da análise de poluentes do rio Han um pouco antes do horário de sair e o Dr. Driver alegava que havia um erro inaceitável nas dosagens dos reagentes. Tive de fazer tudo de novo, e demorei pelo menos mais duas horas pra sair. E estava morrendo de fome.
Eu já havia conhecido o mercadinho mais próximo, graças ao porteiro do meu prédio, um senhorzinho de cinquenta e tantos anos muito simpático que me fazia o favor de falar devagar para que eu entendesse. Naquela noite, quando cruzei o portão de entrada com os cabelos amarrados em um coque desastroso e o jaleco pendurado no ombro, sem contar na sacola do mercado, eu apenas acenei e lhe cumprimentei rápido antes de seguir para o elevador. Os meus fones de ouvido não me deixariam escutar conversa alguma, e eu bem que preferia assim.
Não sei se foi o cansaço. Eu sentia de verdade alívio e conforto ao entrar naquele elevador e me aproximar ainda mais de casa. É, eu podia dizer que era tão adaptável como um camaleão. Em uma semana eu já me sentia genuinamente em casa.
Recostei na parede enquanto “Ko Ko Bop” começou a tocar. Eu gostava tanto dessa música, apesar de Victória apontar falhas técnicas nela. O ritmo e a batida eram tão contagiantes que comecei a cantarolar e, vendo que era a única no elevador, a arriscar os passos que eu lembrava do MV. Claro que eles eram desordenados e caóticos, mas afinal, de que importava? Ninguém estava olhando.
De costas para a porta dupla eu me olhava na parede espelhada e ria sozinha quando ameacei girar os polegares e mover o quadril na parte break it down now cantada por Sehun. Levantei os braços, desta vez inventando uma coreografia só minha enquanto chegava ao final da música. Isso me fez rir de novo, distraída. Tão distraída que não percebi que o elevador havia parado e aberto para um outro passageiro.
Eu sabia que estava cansada. Exausta, era a palavra certa. Um caco, pra deixar bem claro. Então quando me virei rapidamente para a porta ao ver o reflexo da pessoa, foi isso que eu pensei de imediato.
O cansaço extremo poderia causar alucinações, tinha lido sobre isso em algum lugar. E uma alucinação repentina nos assustava ao ponto de derrubarmos os fones sem fio no chão e a sacola do mercado. Era completamente normal.
Abaixei-me rapidamente para pegar os fones, o rosto mais vermelho do que os tomates que saíram rolando pelo corredor. “Desculpa, desculpa” murmurei, sem olhar para cima, apesar de que sabia que não era real.
Ele não disse nada. Apenas o vi correr atrás dos tomates e das laranjas que viajaram equivalentes a quilômetros pelo corredor. Achei um fone do par, tateando loucamente o chão para achar o outro, sem sucesso. Meu Deus, o que tinha acabado de acontecer? Eu precisava sair daqui.
Ele voltou com os alimentos na mesma hora que eu levantei, tentando me recompor. Apertei meu jaleco, agora nas mãos, com força quando ele se aproximou. Eu tinha certeza que não havia me exposto a nenhum produto tóxico naquela tarde.
— Ah… você está bem? — ele perguntou, e só então percebi que ele estava estendendo as frutas em minha direção.
E eu estava parada, com certeza com uma cara de tacho.
— D-desculpa — peguei as frutas de sua mão, colocando-as na sacola, torcendo pra não deixá-las cair de novo diante do meu nervosismo.
Ele me olhou sem expressão alguma, mas não encarei por muito tempo. Tratei logo de me encolher no canto da parede, encarando meus pés, começando a acreditar seriamente que eu precisava dormir por dois dias inteiros.
Porque em nenhuma era, tempo e espaço era possível que eu estivesse no mesmo elevador que Byun Baekhyun.
Ouvi ele apertando um dos botões e não segurei a olhada de esguelha. Era o mesmo andar que o meu. Isso não fazia nenhum sentido.
— É nova aqui? — a voz dele quebrou os segundos de silêncio que se arrastaram.
Apenas acenei que sim, olhando brevemente pra ele, desviando logo em seguida. Tinha medo de ceder aos meus instintos e ele pensar que sou uma maluca (ou simplesmente fazer com que me expulsem do prédio).
— Bom, seja bem-vinda.
Ele deu um sorriso de canto sem mostrar os dentes e logo o elevador parou de novo, dando um apito que me fez acordar e sair como um raio pelo corredor, sem ter a coragem de olhar para trás.
Tranquei a porta atrás de mim, acreditando genuinamente que aquilo não havia acontecido. Que não era humanamente possível. Que eu dobraria o número de luvas e máscaras ao entrar no laboratório a partir de hoje.
✨
Infelizmente – ou felizmente? – aquilo não havia passado de um sonho ou efeito colateral da toxicidade do meu trabalho. Byun Baekhyun
realmente não morava no meu prédio, já que nunca mais o vi desde então. E meu bom senso me impedia de confirmar com quaisquer outras pessoas que eu encontrasse por aqui.
Querendo ou não, tinha sido uma experiência bem louca. Eu nunca fui muito de beber ou aceitar os brigadeiros das festas da graduação, mas se fosse essa a
onda que eles prometiam, eu não queria experimentá-la. Não depois que agi pateticamente diante dela.
Na outra semana, fiz questão de vasculhar – discretamente – o laboratório, buscando saber se existia o produto altamente perigoso que eu possa ter me exposto sem querer. Nem preciso comentar que não achei absolutamente nada e ainda tive de lidar com meu colega francês me pegando na situação comprometedora que me incluía agachada no armário embaixo da estufa.
Havia sido uma ilusão passageira e eu não procuraria um médico por conta disso, já que era algo que não voltaria a acontecer. Eu só estava exausta, precisava dormir e ajeitar minha rotina por causa do fuso. Era apenas isso.
Eu mal me lembrava dessa lógica quando coloquei o álbum City Lights pra tocar enquanto me preparava pra dar uma faxina geral quando, em uma quarta feira, eu havia sido dispensada mais cedo do trabalho. Algo como um compromisso com o filho do Dr. Driver. Pra minha sorte, o interfone tocou assim que pisei em casa, com os senhores da loja de móveis mais próxima trazendo a estante que eu havia decidido comprar.
Bom, ninguém poderia me obrigar a comprar um sofá, uma TV ou uma mesa primeiro. Ou qualquer coisa normal que as pessoas começavam ao mobiliar uma casa.
Eu gostava de estantes. Eu tinha bastante livros, a maioria acadêmicos, mas eu também queria um lugar para fotos e talvez umas duas plantas, que eu tentaria a todo custo não matar. Tinha escolhido uma bem grande, de madeira branca, que me chamou a atenção de imediato. Mas pela quantidade de caixas grandes e pesadas com as quais dois caras de uniforme entraram pelo meu apartamento, eu repentinamente não me lembrava que ela fosse tão grande.
E não sei porque não me lembrei de que eu mesma teria de montá-la.
Poderia pagar alguém. Claro. Mas passaria essa opção para um último caso. Eu era inteligente e, especialmente naquele dia, estava com tempo.
Só que não contava que vários parafusos e ferramentas fossem necessários para se montar uma estante. Não que eu nunca tivesse montado nada na vida, mas não vou negar a ajuda do meu pai. E depois, quando ele não estava presente, minha mãe fazia o possível, até pra não me deixar sentir falta dele.
Ao menos a música me ajudava a não desesperar. Tentei ver alguns vídeos no YouTube, mandar mensagem para Victória, mas não teria jeito, teria de sair e comprar as tais ferramentas para montagem. Victória com certeza diria pra pagar um montador, e aquele não era o tipo de motivação que eu queria ouvir.
Decidi organizar as caixas por ordem de montagem, de acordo com o manual aberto em minhas pernas. Ao menos aquilo poderia ser organizado naquela hora. Já quase no final da tarefa, ouvi minha campainha tocar.
Ninguém nunca tocou minha campainha antes. Porque eu não conhecia
ninguém naquele lugar.
— Oi. — Ele disse assim que abri a porta.
Não, não, não.
De novo não.
A minha paralisia não me deixou responder. E nem deveria. Da última vez ele havia ido embora sem eu dizer uma palavra, talvez agora funcionasse.
Mas a expressão dele, surpreendentemente paciente, esperava uma resposta minha.
— O-oi. — Consegui pronunciar. Talvez ele sumisse com isso.
— Acho que você perdeu seus fones no elevador aquele dia. — Ele colocou as mãos nos bolsos — Eu não queria ter te assustado, então pensei em pelo menos te dar isso.
Ele ergueu a mão com um pequeno pacote roxo. Dentro dele estava uma pequena caixinha com dois fones sem fio embutidos, de cor igualmente roxa e o nome Samsung estampado do lado de fora.
Como por ironia do destino, ou simplesmente uma trollagem dos astros,
UN Village começou a tocar ao fundo, e com o silêncio a música pareceu bem mais alta do que estava. Não soube explicar o que aconteceu, mas minha garganta ficou tão seca que eu realmente pensei que fosse desmaiar.
Ele olhou sutilmente ao redor, também ouvindo a música. Sua expressão se tornou divertida, e ele até mesmo curvou os lábios em um sorrisinho curto e sem graça.
Já eu continuava parada, mas agora tinha certeza que eu parecia em pânico. Se, e eu repito
se, Byun Baekhyun realmente estava na minha frente, não era nada bom que ele me pegasse ouvindo suas músicas. Isso era uma receita infalível para um mal entendido.
Tentei falar alguma coisa, juro que tentei. Mas só conseguia gesticular, apontando dele para qualquer ponto da sala como se quisesse indicar o som por completo.
— Isso não… Eu não… — tentei dizer, mas me perdia no meu próprio raciocínio. Eu estava querendo dizer que aquela voz claramente dele
não era dele?
Ele apenas riu.
Riu.
— Ahm… você gosta? — ele perguntou enquanto cruzava os braços.
Aquilo era uma piada?
— Não… quer dizer, sim! Sim, eu gosto muito! — eu estava claramente nervosa e patética — Digo, é legal…
— Que bo…
— Eu não fazia ideia que você morava aqui! — Interrompi, arfando repentinamente — Eu não mudaria pra cá se soubesse! Quer dizer, mudaria, porque meu pai arrumou esse apartamento pra mim, mas tenho certeza que ele não fazia ideia de você. Eu gosto das suas músicas, mas eu não sou maluca, eu juro, eu não vou bater na sua porta em momento nenhum, eu não…
Parei e respirei. Ele me encarava totalmente confuso. As palavras saíam da minha boca sem filtro.
— Eu não… — Tentei mais uma vez.
— É… Tá tudo bem. Mesmo.
— Mesmo? — arregalei os olhos — Quer dizer, sim. Mesmo. Tudo bem. Obrigada — ergui o pacote pra ele, tentando dar fim a tudo aquilo — Por isso. Não precisava.
Ele só assentiu e olhou em volta brevemente. Eu não sabia o que tinha pra reparar já que eu estava esperando para montar meu primeiro móvel, mas eu não iria tentar entender as manias estranhas de Byun Baekhyun naquela hora; eu só queria desesperadamente que ele fosse embora e eu procurasse o primeiro apartamento disponível nas redondezas.
Não que eu fosse realmente tomar medidas tão drásticas, mas deu pra entender.
— Não foi nada — ele deu um sorriso de canto, e finalmente começou a sair do batente — Tenha um ótimo dia.
Balancei a cabeça como um robô e vi ele desaparecer pelo corredor. Ignorei o barulho da porta vizinha batendo tão perto de mim e fechei a minha, encostando-me na mesma e tendo a certeza de que não existia produto
nenhum, no mercado e fora dele, capaz de causar aquilo tudo.
Minha nossa.
✨
Ter conhecimento sobre um idol famoso morando bem ao lado da sua porta não tornava minha vida mais fantástica. Só de pensar na maneira como me comportei nas duas vezes que o encontrei já me deixava desesperada para jamais trombar com ele em toda minha existência. E foi exatamente o que aconteceu: nunca mais sequer cruzei o olhar com Baekhyun em nenhum momento depois. Pelo menos na estrutura do prédio. Tirando as fotos que eu já tinha dele no meu celular.
Eu era tão pateta que até disso eu estava com medo agora: de todas as possibilidades irreais acontecerem
todas ao mesmo tempo e ele, de repente, por alguma brincadeira sem graça do universo, descobrir todo o conteúdo do meu telefone e das minhas pastas no Pinterest.
Sério, eu precisava me mudar.
Mas antes que eu metesse os pés pelas mãos, descobri que poderia ter uma semana inteira livre de qualquer paranóia ou mínima probabilidade de vê-lo pelos corredores. Isso porque, de acordo com a primeira fofoca que fui incluída desde que cheguei, Baekhyun não era exatamente um morador assíduo de Bucheon, como eu imaginei. Sua casa de verdade ficava em Seul, o que era bem óbvio, e o apartamento servia apenas para minimizar as saudades de casa.
Fofo, como sempre imaginei. Portanto, também de acordo com paparazzis e o instagram, era lá onde ele estava agora e o elevador e quinto andar eram todos meus.
Não que eu tivesse aproveitado isso de forma efetiva.
Ironicamente, aquela semana foi a mais atarefada que já tive no laboratório. Todos os dias eram os mesmos e ao mesmo tempo
não eram, tendo a terrível semelhança nas horas que passavam voando diante dos meus olhos e eu não aproveitando nenhuma delas.
A constatação disso veio na minha cara de cansaço ao subir no elevador no fim de um dia que eu não sabia mais qual era. O jaleco estava pendurado no ombro, e eu arrastava os pés até minha porta, tateando os bolsos em busca das minhas chaves quando vi que já tinha um par de pés parado no carpete de entrada.
Olhei para cima e congelei.
— Oi — disse ele, sorrindo gentilmente. Ele tinha uma caixa de papelão nas mãos.
A caixa era o único ponto seguro que eu poderia reparar para não dar tanto na cara que eu estava petrificada. Se eu conseguisse repetir o mesmo cumprimento, seria melhor e menos estranho, mas só fui capaz de menear com a cabeça e permanecer no mesmo lugar.
O que raios ele estava fazendo aqui?
Aqui não é Seoul!
Que dia era hoje?
— Desculpa aparecer assim de novo, eu só queria te devolver isso. Acho que entregaram por engano — ele estendeu a caixa pra mim — É , não é?
Engoli em seco, puxando a encomenda que não conseguia me lembrar do que era de jeito nenhum naquela hora. Os divertidamente no meu cérebro só sabiam vibrar e repetir:
Byun Baekhyun sabe o meu nome!
— O-obrigada — gaguejei, tentando parecer gente enquanto ele continuava onde estava. Baixei os olhos rapidamente para a inscrição na caixa e reconheci o nome da loja e, consequentemente, o conteúdo da minha compra — Ah, são as ferramentas… — murmurei para mim mesma — Me desculpa, vou garantir que isso não aconteça de novo, então… — comecei a andar até a porta, e ele ainda levou um tempo para sair do caminho e passar para o lado.
— Não precisa se preocupar com isso, não foi culpa sua — disse ele gentilmente, enquanto eu girava a chave na fechadura. Até que eu abrisse a porta totalmente e colocasse os pés para dentro, ele ainda continuava ali, segurando a lateral dos jeans, como se tivesse mais alguma coisa para falar.
O que mais ele poderia ter para falar comigo?
— Então… — ele parou, olhando por cima do meu ombro para dentro do apartamento — Você ainda não montou isso? — perguntou com uma risada.
Fiquei confusa por meio segundo até olhar para o mesmo lugar e me tocar da devastação da prateleira ainda desmontada, com suas peças espalhadas pelo chão da sala. Limpei a garganta com nervosismo, soltando uma risada seca.
— Não tive muito tempo essa semana — não era uma mentira. — Todo o sucesso agora vai depender dessas coisinhas aqui — balancei a caixa, e ele riu novamente. Ah, fala sério, eu não era tão engraçada assim.
— E você sabe como usá-las? — ele deu de ombros.
—
Ainda não — respondi. — Mas se aprendemos a fazer bombas pela internet, por que não montar uma estante?
Ele comprimiu os lábios, assentindo em concordância. Um silêncio pairou entre nós; eu do lado de dentro e ele de fora, e como muito pouco na vida, eu não sabia o que fazer em seguida.
— Bom, eu não sou tão bom quanto a internet — começou ele, devagar —, mas posso te ajudar, se quiser.
Pensei imediatamente em soltar uma risada de sarcasmo, mas isso seria uma terrível falta de educação, já que ele parecia estar falando bem sério.
Meu deus do céu,
ele estava falando sério.
— Ah, bem… — hesitei, e ele desviou os olhos e começou a dar um passo para trás, preparando-se para se desculpar pela proposta repentina — Se você não se importar…
Ele olhou para mim e deu um pequeno sorriso de canto. Eu apenas me afastei e deixei que ele entrasse.
✨
Era difícil acreditar no que tinha acontecido.
O número de Victória dançava na tela em frente aos meus olhos, pedindo desesperadamente pra ser discado para que eu falasse logo tudo o que andava acontecendo nos últimos dias, mas de alguma forma eu travava. Também porque tinha certeza de que não conseguiria falar nada. Qual é, o que exatamente eu contaria?!
Tirando o fato de eu era vizinha de Byun Baekhyun e que agora pegamos o hábito estranho de jantar juntos no chão da minha sala sem sofá enquanto conversamos sobre nossos filmes favoritos, ou cores favoritas, ou qualquer outra coisa que soasse íntima demais pra quem se conhece há pouco tempo?
Será que mamãe teria que buscar Victória do outro lado da rua, porque ela rolaria pra lá de tanto rir? Ou pegaria o primeiro avião pra me colocar no primeiro manicômio público da Coreia?
Sinceramente, não tinha nem o que dizer. Era completamente inviável contar aquilo pra alguém.
Era absurdo até contar pra
mim mesma o que estava acontecendo. Desde quando uma celebridade se abre tão fácil assim pra ter uma amizade com uma fã? Porque sim, Baekhyun estava totalmente ciente da minha cadelação e, mesmo que não falássemos disso, não queria dizer que ela não existia. Mas ele sinceramente fazia perguntas sobre a minha vida que não girassem em torno do meu trabalho, e isso me fazia querer fazer o mesmo, mas perguntar sobre a vida pessoal de um artista não me deixava nada confortável; a última coisa que eu precisava agora era de um rótulo de sasaeng quando nem eu mesma sabia direito o que significava.
Céus, o que Victória diria sobre isso tudo?
Sortuda, é claro. É exatamente o que ela gritaria do outro lado da linha.
Não sabia dizer exatamente o que era sorte, já que sempre fui uma pessoa mais prática do que isso, mas se bater um papo todas as noites com Baekhyun enquanto ele permitia que a voz dele soasse baixinho no fundo, tudo bem, ok, posso aceitar esse posto.
Só esperava que tudo isso não terminasse da forma como a fanfic da minha cabeça dizia que terminaria.
É, pois é.
Eu entendia um pouco do mundo fantasioso e sabia que era só uma questão de tempo. Ele não ficaria pra sempre e eu voltaria pra minha vida normal, como sempre foi, e era exatamente isso que tinha que acontecer. Antes que certas coisas crescessem mais do que deveriam, antes que eu perdesse o controle de todos os circuitos do meu cérebro e agisse sem pensar, ou até mesmo antes que…
Antes que eu encontrasse Baekhyun parado na porta do meu apartamento enquanto mexia descontraidamente na chave.
Engoli em seco, esquecendo tudo que estava pensando antes.
— Baekhyun? — perguntei de repente, fazendo ele erguer os olhos e se desencostar da parede. Não me lembro de ter olhado tanto esse homem por pura admiração; ele estava simplesmente lindo com uma camiseta de banda e jeans largos. Estava em casa.
— Ah, você chegou. Dia ocupado hoje? — ele riu e se aproximou de mim, pegando no meu jaleco pendurado no mesmo lugar.
— Um pouco. Quer dizer, sempre é, você sabe — dei de ombros, pegando as chaves no bolso de trás — Posso te ajudar em alguma coisa? Ainda não é hora do jantar.
— É… Porque vim te convidar pra jantarmos em outro lugar, na verdade — ele disse assim que virei a fechadura. Juntei as sobrancelhas — Na minha casa.
Larguei a porta, virando pra ele com certa surpresa escancarada. Fiquei um bom minuto inteiro sem saber o que dizer direito.
— Na sua casa? — repeti, porque com certeza eu poderia ter um déficit de audição depois de tanto tempo no laboratório. Ele concordou e nem assim acreditei de verdade — Mas… Tem certeza? Você sabe, você… Nós…
Ele riu, mordendo um dos lábios.
— Relaxa, a profissão de sasaeng não é muito popular por aqui. É mais fácil sermos alvos de snipers daquele prédio vizinho logo ali — ele apontou para fora e eu cerrei os olhos pelo seu deboche, balançando a cabeça.
— Tudo bem, não é como se eu tivesse escolha — revirei os olhos e entrei — Posso me trocar ou preciso de um horário pra isso também?
— Como quiser, senhorita — ele riu e tirou os sapatos, fechando a porta atrás de si.
Tudo bem, eu não esperava por essa, mas agora estava animada.
Não iria acontecer nada. Íamos jantar como sempre fazíamos.
Então eu precisava sufocar todo e qualquer pensamento maluco que pudesse surgir de uma expectativa sem fundamento.
Entrar no apartamento de Baekhyun era um daqueles desejos que a gente nem sabia que tinha, e que só tem essa certeza depois de acontecer. O cheiro do lugar era o mesmo que o dele – algum perfume caro, mas também de sabonete e um pouco de tabaco. Era bem minimalista, porém com mais móveis do que eu certamente. Ele caminhou até a cozinha e eu fiquei parada no meio do cômodo, sem saber onde poderia me sentar ou esperando que ele me chamasse pra ajudar em qualquer coisa. Eu me sentia mais estranha do que o normal.
— Quer andar e conhecer tudo? — ele perguntou enquanto abria um armário, e eu fui pega de surpresa ao notar que eu estava olhando absolutamente tudo ao redor.
— Não — respondi rápido demais — Quer dizer, não precisa. Você vai precisar de ajuda, não é? Eu tô aqui pra isso — fui até o seu lado atrás da ilha e ele riu.
— Não precisa me ajudar, pode sentar ali de frente e só me contar como foi seu dia.
— Não tem nada de interessante pra contar sobre o meu dia — fui sincera. Ele me encarou fixamente quando respondeu:
— Eu discordo.
Tentei refutar, mas infelizmente ele me encarava como quem encerrava o assunto. E eu sentia a mais pura verdade daqueles olhos, e isso era um problema.
Por fim, me sentei mesmo do outro lado da bancada e desatei a falar sobre qualquer mísera coisinha que criei ou ajudei a criar no laboratório, que consistiu em pesar reagentes e verificar meu projeto com urânio que estava na estufa há mais de 2 meses. Eu não entendia como ele não me mandava calar a boca ou trocar de assunto quando eu começava com um assunto tão chato quanto química analítica, mas ele jamais fez isso, pelo contrário. Parecia muito feliz cortando tomates e me pedindo pra continuar, além de reagir confortavelmente com toda a minha desrambelhação e falta de jeito, uma combinação terrível para quem se trabalha em um ambiente perigoso.
Sério, não dava pra entender. Ele deveria estar seriamente com algum problema que precisava de distração pra aceitar ouvir as minhas histórias.
O prato do dia foi um sushi muito bem elaborado, com falhas técnicas que foram facilmente motivo de piada enquanto comíamos. Baekhyun insistiu que sentássemos no chão, e eu senti a zombaria do fato de eu não ter um sofá ou uma mesa, mas o que eu podia fazer? Ele estava certo. E não parecia estar muito incomodado em fazer aquilo.
E eu não queria comentar que, além de lindo, ele sabia cozinhar muito bem. Minha mãe sempre me disse pra me manter longe de homens que sabiam cozinhar – ela repetia algum papo sobre homens bons demais com as mãos também serem bons com as palavras, o que podia ser um tanto perigoso; talvez fosse uma terrível comparação com meu pai, que regia um enorme restaurante na cidade, mas ela não precisava se preocupar tanto com Baekhyun.
Quer dizer, o gosto era maravilhoso, mas em questão de apresentação ele não ganhava de ninguém.
As horas passaram e eu, como sempre, não vi absolutamente nada. Os pratos estavam jogados pelo chão e de repente ele se levantou, pedindo licença por uns minutos e voltando logo em seguida trazendo um violão e o celular, sentando-se ao meu lado de novo.
Meu coração disparou de um jeito tão absurdo que tive medo de ele ouvir.
— Acho que preciso de uma ajuda sua antes da sobremesa — ele disse enquanto mexia em algo no telefone e afinava algumas cordas. Eu senti a boca ficar seca.
Meu deus, não me diga que isso que estou pensando vai realmente acontecer.
— O-o que? — limpei a garganta, tentando disfarçar minha cara de tacho, mas duvido que tive sucesso.
Byun Baekhyun, não faça isso…
— Compus uma música nova e preciso de uma aprovação prévia. Preciso apresentar alguma coisa pro novo álbum amanhã e quero ver se está tudo certo.
— Amanhã? Então você… — comecei a falar, e vi ele baixando os olhos um pouco, umedecendo os lábios.
— É. Devo ficar por pelo menos umas duas semanas — ele deu um sorrisinho de canto — A parte de pré-produção é a mais chata e demorada, e requer muito da nossa atenção. Se forem mesmo emendar com o início da produção do novo comeback do grupo, o trabalho vai se intensificar bastante.
— Entendi… — murmurei, tentando parecer mais pra cima do que a cara de decepção que certamente fiz sem perceber — Isso é ótimo, sério! Então, o que você tem pra mim hoje?
Ele me fitou por um momento até limpar a garganta e voltar para as cordas.
— Eu não faço muito isso, então se não estiver tão bom…
— Começa logo antes que eu mesma cante, e acredite, ninguém merece isso — interrompi.
Ele riu e começou a tocar. Era uma melodia calma, porém que se revezava por não estar totalmente pronta, mas a letra saía perfeitamente clara de seus lábios. Era uma visão que eu ainda não tinha ganhado, mas que agora me deixou em completo desespero por pensar em alguma possibilidade onde não poderia mais ver: Byun Baekhyun cantando confortavelmente com seu vocal da nação uma música inédita que falava sobre sorte.
Sorte. Essa música parecia cravada na minha pele igual uma tatuagem de tanto que me identifiquei com ela na mesma hora.
Ele arranhou mais uns dois acordes e me olhou, um pouco corado e nervoso, mas eu admito nem estar prestando atenção nisso porque estava totalmente inclinada na pose imóvel e apaixonada enquanto olhava pra ele.
Apaixonada?! Era assustador repetir as palavras até em pensamento.
— ? — ele chamou sabe-se lá em que momento e eu finalmente acordei — Tá ruim demais pra você fingir um aneurisma?
— O que? Ah — foram as únicas palavras que pude dizer até ajeitar a postura e rir de nervoso — Tá maluco? Isso jamais seria ruim. A letra é tão bonita e tocante, tão inspiradora que eu fico pensando quem foi a sortuda. Mas é claro que você não…
Travei, olhando pra ele de olhos arregalados. Minha mente deve ter saltado até a outra atmosfera e algum neurônio deve ter morrido pra eu ter esquecido do meu desconfiômetro e ter saído falando mais que a boca.
Não, não era isso que ele deveria ouvir…
— Eu não… Desculpa, não era bem isso que eu queria falar, eu quis dizer…
Mas na verdade eu não disse nada. Ele me beijou antes que eu tentasse.
Agora eu entendia perfeitamente a cena de doramas que sempre me causavam espanto onde a mocinha recebe um beijo de surpresa e é incapaz de fechar os olhos, mesmo que o ator que fizesse tal coisa fosse um Lee Jong Suk.
No meu caso era Byun Baekhyun e, pelo amor de deus, onde mora a diferença nesse caso?!
Ele se afastou de mim com lentidão, encarando meu rosto em busca de alguma resposta ou reação, mas só achou minha cara embasbacada e minha garganta travada.
— É… Me desculpa, acho que extrapolei — ele sussurrou, pondo o violão de lado — Fazia um tempo que eu queria fazer isso, mas sou péssimo de timing, sabe? Achei que te mostrar a composição que fiz com a sua ajuda fosse a hora certa, mas talvez não — ele riu de nervoso, baixando os olhos.
— Não, eu… — consegui proferir alguma palavra, parando de repente — Como assim eu ajudei?
Ele engoliu em seco, torcendo os nós dos dedos.
— Me inspirei em você. Quer dizer, na gente, ou em tudo que está acontecendo, com um toque de drama, é claro, porque preciso vendê-la e a empresa colocaria de toda forma, mas eu só pensei que… — ele parou, respirando fundo — Eu não quis te deixar constrangida, ou…
— Você acha isso mesmo? — perguntei, tentando controlar meu coração maluco — Sortudo? Por isso tudo?
Ele parou de repente e me encarou de forma sincera.
— Acho — respondeu — Nunca acreditei em sorte, mas… Quando as coisas vem sem nenhum aviso prévio ou interferência minha, acho que eu deveria dar uma chance. O mundo é maior do que eu pensava, e esconde coisas muito interessantes pra que passem batidas. Tipo você… — ele deu de ombros e eu sorri sem perceber.
— Baekhyun, eu não… — tentei falar, mas sabia que meu olhar já dizia tudo. Não era bem o que eu esperava, e não significava que eu não tinha gostado, mas tinham tantas outras coisas envolvidas que eu não sabia o que pensar.
Eu realmente não sabia o que pensar.
— Eu sei — ele assentiu, compreensivo, sem um pingo de mágoa — É assustador pra mim também. Eu pensei nisso por algumas noites, e não costumo falar nada sem ter certeza, mas… — ele suspirou — Eu considero você como uma sorte. Muita coisa melhorou dentro de mim bem debaixo do meu nariz e eu não percebi, e talvez eu devesse esperar mais um tempo, mas se você se sente da mesma forma, não sei… Pode me deixar saber algum dia? — ele arriscou, puxando os lábios — Quando eu voltar pra casa.
Fiquei parada enquanto pensava. O que era aquilo? Uma declaração? Um ponto de vista? Apenas alguns sentimentos sendo despejados? Eu era lerda demais pra ler nas entrelinhas e Baekhyun teria que fazer melhor pra eu não cometer nenhuma burrice. Em contrapartida, eu ainda não era capaz de dizer com todas as letras o que realmente sentia, mas esperava que, diferente de mim, ele fosse menos letárgico com momentos como aquele.
— Claro. Sorte. — repeti a palavra, fazendo ele rir — Vou te deixar saber da minha sorte quando voltar.
Ele sorriu de canto, e algo me dizia que ele entendeu que aquela já era a resposta.
Sem falar mais, ele apenas dobrou as pernas e começou a tocar uma nova canção.