Silêncio.
Dizem que a morte é silêncio, indolor, calmaria, apenas um piscar de olhos e pronto: se findou a vida.
"Por fim, a raiva da morte surge na esteira da raiva do tempo. O espírito de vingança, ao condenar o tempo que impede o homem de ser inteiramente aquilo que se é, condena a morte inevitável quando diz: "tudo perece, tudo, portanto, merece perecer!". Nesse sentido, a raiva do homem dirigida à inescapável finitude causada pelo tempo reflete-se, como não poderia deixar de ser, na repulsa da morte, o acaso mais radical". (Nasser, 2008)
Quando me dei conta de que não estava mais vivo, eu realmente fiquei com muita raiva. Eu queria ter mais tempo para aproveitar ao lado de meus amigos próximos e ao lado de minha querida namorada. O amor da minha vida. Vida. É engraçado falar isso, agora que estou morto.
Sou e estou morto.
Essa é apenas o que restou de minha alma, consciência, mente, ou seja lá o que isso for. Apesar de morto, mantenho as memórias de quando vivia. E como eu vivi bem. Tinha muitos amigos, conheci muitos lugares legais pelo mundo e, é claro, estive ao lado de minha amada: , a . Minha eterna "neném". Ok, podem me chamar de besta por apelidá-la com um apelido tão óbvio. Porém, se conhecessem a , saberiam que ela é um neném. Sinto tanta falta dela.
A conheci ainda no colégio, estudávamos na mesma turma e fomos juntos representantes de classe, no segundo e terceiro ano do ensino médio. Antes de nos formarmos já estávamos namorando.
Eu sempre fui um cara, digamos, inconsequente dos meus atos. sempre me repreendeu a respeito, e meus amigos também, pelo menos na frente dela, já que na maior parte do tempo eles participavam de minhas loucuras. Quando digo loucuras, quero dizer coisas perigosas. Eu arrisquei minha vida inúmeras vezes. Não sei como não morri antes. O dia de minha morte está extremamente fresco em minha mente. Literalmente, parece que foi ontem…
Dia da minha morte, horas antes…
Eu estava muito irritado, havia discutido com a e saí de casa. Nos casamos logo após nos formarmos no ensino médio e vivemos juntos desde então. Eu queria que ela me acompanhasse em um evento da empresa que sou dono, com menos de 30 anos eu consegui montar e consolidar uma empresa de respeito no ramo da Construção Civil. não quis me acompanhar, pois quis ficar com nosso filho, nosso querido Hayato de apenas quatro anos de idade. Sugeri dele ficar com uma babá, mas ultimamente tem me evitado em tudo, até mesmo dentro de casa. Nosso casamento está abalado por causa desse afastamento dela e meu também, confesso que o trabalho tem me consumido intensamente.
[...]
Eu dirigia perigosamente pelas ruas da cidade, estava com raiva acumulada e precisava expulsá-la de mim, do mesmo jeito que eu fazia quando era adolescente: correndo de carro. Estava numa pista reta quando tudo aconteceu.
A batida forte que me impulsionou para frente, com violência. O meu corpo batendo com toda força no volante e depois sendo arremessado para fora do carro, já que eu estava sem cinto. O último impacto do meu corpo com o chão, metros distante do meu carro destruído, eu já não estava mais consciente. Em meu interior, eu ouvi gritos das pessoas que presenciaram o acidente. Minha respiração era quase nula e as batidas do meu coração eram as mais espaçadas possível. Logo o socorro chegou e me levou para o hospital. Passei por cirurgias para tentar me salvar, me deram mais um restinho de vida. O suficiente para vê-la de novo.
— ! — era como ela me chamava, só ela. chorava ao meu lado, segurando minha mão que estava próxima a ela. Abri os olhos, por uma fração de segundos, e falei de uma vez:
— Eu te amo, minha neném…
Foi só isso que consegui proferir e depois: silêncio. Eu sequer ouvi os berros de ajuda que disparou ao me ver fechar os olhos novamente e soltar sua mão. Enfermeiros e médicos entraram no quarto e tentaram me reanimar, mas já era tarde.
Eu estava morto.
Atualmente…
De todas as definições sobre a morte, a minha favorita é a de um filósofo antigo, salve o engano, foi o Sócrates. Perdoem-me, nunca fui bom nessa matéria na escola.
Na visão do filósofo, seja quem for, "a morte é algo inevitável, que não está relacionada a um determinado tempo ou lugar, assim, a função da morte seria nos ensinar a viver. Não importa se você viveu muitos ou poucos anos, o que importa é a forma e a maneira como você aproveitou esse tempo."
Ela é a minha favorita, pois ela fala exatamente a morte do jeito que consigo ver hoje. A morte é aliada da vida. A morte existe para nos ensinar a viver como se deve, sem deixar para depois o que é para ser feito agora. E, mesmo eu tendo morrido no dia em que completaria 30 anos, eu estou feliz. Pois eu sei que vivi tudo que tinha para viver, da maneira que tinha que ter vivido e ao lado de quem deveria ter vivido. Eu amei muito meus amigos, a e o meu filho. E hoje, eu apenas posso observá-los de longe, aqui do céu, confortável em meu lugar, que foi reservado para mim.
O que me conforta é que a está seguindo sua vida sem mim ao lado dela. E como eu queria estar ao lado dela, ainda mais agora que ela vai dar à luz ao nosso segundo filho. Antes de morrer, eu deixei uma vida dentro de seu ventre. Em minha homenagem, ela dará o nome dele de . Eu estava lá quando ela escolheu, sozinha no quarto enquanto ninava nosso filho ainda dentro de sua barriga.
A minha felicidade agora é vê-la sorrindo ao pegar nosso filho no colo e o chamando pelo meu nome. Minha missão pós-vida agora é a mesma que eu tinha em vida: zelar pela felicidade da minha e de nossos filhos.
Hoje, ganhei asas. Sim, como um anjo. São pequenas, comparadas às dos arcanjos ou as dos anjos mais velhos que eu, mas são lindas e fortes e me ajudam a voar por aí e acompanhar a vida daqueles que me amaram e ainda me amam tanto. E é recíproco esse amor.
Será para sempre.
"Os suaves golpes de vento
Tornou-se o sinal de partida
Batendo minhas asas, eu vôo para o céu azul
A fim de controlar esses sentimentos.
Adeus meus preciosos dias
Vou continuar minha vida
…
Adeus minha amada
Você vai continuar sua vida" Tabidachi Grafitti, FLOW
Fim.
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