Era uma tarde de novembro no bom e velho interior canadense, o clima gelado evidenciava que em breve o Inverno chegaria e levaria consigo o resto de calor que ainda insistia em aparecer algumas vezes na semana.
Retornar à pequena cidade era estranho para , as tantas memórias ainda insistiam em pairar por sua mente. Do banco de trás de um táxi, observava cada detalhe da cidade que havia deixado para trás quinze anos antes, quando resolveu cursar Arquitetura em Yale, no outro lado do mundo. Os locais que costumava andar com , uma grande amiga, a qual ele era apaixonado nos tempos de escola continuavam tão lindos quanto no passado e no fundo sabia que nada havia mudado.
- Obrigado – agradeceu o motorista enquanto saía do veículo e pegava as suas malas.
A casa de sua mãe era o melhor ambiente do mundo, a sensação de conforto encheu seu coração assim que passou pela porta de entrada e sentiu o cheiro de muffins de blueberry, seus favoritos. Apesar de já adulto, a matriarca da família ainda insistia em fazer os pratos saborosos de infância para agradá-lo.
Após uma conversa fiada sobre o cotidiano nos Estados Unidos e sua vida amorosa – que sempre fora um fiasco, dirigiu-se para o seu antigo quarto de adolescência. O cômodo não havia sofrido muitas alterações, os pôsteres de bandas ainda estavam colados em uma das paredes, e a estante com vinis e livros ao lado da escrivaninha chamou a sua atenção. Passou os olhos por todas as obras musicais que tanto gostava em uma época que não havia Spotify e precisava gravar suas músicas favoritas em fita cassete ou comprar o vinil físico para escuta-las, CDs ainda eram muito novos. O cômodo era uma perfeita volta ao passado.
Deparou-se com um disco do Blink-182, não resistiu e foi mexer nele, encontrando uma pequena nota escrita com tinta azul em uma folha de caderno.
“Feliz aniversário, espero que goste do presente e que possamos escutar todas as músicas ao vivo no próximo show deles. – ”.
Deu um leve sorriso com a memória de adolescência. Não sabia por onde ela andava desde que entrou na faculdade, as poucas vezes que havia ido à pequena cidade, não a viu, por isso, julgou que a mulher havia mudado de casa, assim como ele.
A memória do seu amor adolescente invadiu a sua cabeça. Os cabelos com perfeitos cachos loiros, os olhos azuis brilhantes como o céu e as bochechas sempre rosadas eram alguns dos seus traços marcantes. E bem lá no fundo, não havia superado. Imaginou como as coisas seriam se eles estivessem juntos nos dias de hoje, talvez casados e contando a história clichê de um amor jovem – era um bom devaneio.
Nos dias que se sucederam, aproveitou para reencontrar parentes e amigos de longa data. Nenhum deles mencionou sobre o paradeiro de . Preocupado e curioso, decidiu refazer os trajetos de adolescência na esperança de reencontrá-la em um café ou até mesmo na velha escola que estudavam.
1997.
e estavam no terraço do colégio em que estudavam escutando música em um discman – a mais nova invenção de aparelho portátil. Tocava a sexta faixa do disco Cheshire Cat do Blink-182, um dos favoritos da loira.
- Já sabe o que vai fazer depois da escola? – Perguntou-a.
- Vou tentar a vida na Inglaterra, estou cogitando cursar História em alguma universidade por lá, e você?
- Se não fosse tão insano, eu formaria uma banda, mas no momento não acho que seja uma boa ideia, por isso vou estudar arquitetura. Quem sabe um dia eu tente a sorte no mundo da música.
O silêncio era ensurdecedor. Com os planos de faculdades distintas, seria complicado manter uma amizade ou qualquer tipo de relacionamento.
Aquele fora o início do declínio. e não estavam destinados a ter o famoso “felizes para sempre”, se é que isso realmente existe, como todo bom e velho clichê cinematográfico e isso doía tanto. Não queriam que a amizade com um fundo de amor acabasse, mas ao mesmo tempo parecia impossível, não acreditavam que realmente existiria um final feliz.
- Tive uma ideia – A menina falou, cortando a tensão formada por um momento melancólico – vamos ter o melhor verão das nossas vidas, depois a gente pensa no que fazer depois das férias.
Bouvier concordou, escutando a ideia dela.
- Podemos ir ao café no centro, como primeiro lugar do roteiro, depois à loja de discos dos pais do , também tem aquele parque, sabe? São os pontos mais legais da cidade.
E assim fizeram.
Assim como aquele Verão chegou, ele também passou voando. ainda lembrava de tudo como se fosse ontem, das bochechas rosadas de ao pôr-do-sol, as corridas até o parque seguidas por um bom sorvete de morango e as idas à loja de discos seguidas por um bom frappuccino eram vivas em sua mente.
Sorriu com a lembrança de anos atrás antes de refazer o velho roteiro, e quem sabe, se o destino estivesse ao seu favor ele reencontraria a loira.
Voltar ao café no centro da cidade era engraçado, as paredes em tons de bege ainda eram iguais as da época de sua juventude e para eternizar mais ainda a memória afetiva, pediu um frappuccino de caramelo, como nos bons e velhos dias.
1997.
- Vou querer um frappuccino de caramelo e um brownie, por favor.
- Você sempre pede a mesma coisa – comentou dando uma leve risada.
- Em time que se ganha não se mexe, inclusive, você deveria provar, garanto que serão os melhores brownies e o melhor frappuccino da sua vida.
E realmente, desde aquele dia, aquele passou a ser o pedido favorito de .
Por onde será que ela estava? Será que conseguiu ir à Inglaterra realizar seu sonho? Desde a sua ida à Yale, perdeu o contato com a loira, queria reencontrá-la e reviver aquele amor adolescente ou simplesmente ter a amizade de volta.
Depois de comer e pagar a conta, saiu do local e foi em direção à Time, loja de discos dos familiares de .
- ? – Foi surpreendido pelo seu ex-colega de Ensino Médio, que ainda lembrava dele.
- ! Quanto tempo cara.
Os velhos amigos continuaram a conversar, Comeau comentou que agora administrava os negócios da família e que também abriu uma escola de música. Era bom ver a mudança e crescimento daqueles que passaram tantos anos ao seu lado em uma sala de aula.
- E a ? Por onde ela anda? – Questionou enquanto comentavam sobre a vida atual dos colegas de classe.
- Você não soube? – O tom de voz de havia mudado. Ele parecia sentido.
- Não? Ela não foi tentar a vida na Inglaterra?
- Ela nem chegou a sair do Canadá. Alguns meses depois de você ter ido para os Estados Unidos, ela sofreu um acidente de carro.
- Mas ela está bem né? – Perguntou, já sentindo o desespero e o nó em sua garganta se formando.
negou com a cabeça, não tinha coragem de falar com todas as palavras o que ocorrera na noite de 13 de Abril de 1998, quase um ano depois da ida à Yale.
sentiu lágrimas teimosas rolarem pelo seu rosto. Aquilo não podia ser verdade, ele esperava ver passando pelas portas da Time rindo com a brincadeira de mal gosto e cumprimentando-o de modo simpático. Todavia, o que aconteceu foi o oposto. O amigo abraçou-o, em uma tentativa falha de consolá-lo.
Doía saber de tudo, principalmente depois de mais de uma década. Ele não teve a oportunidade de dizer o quanto a amava e um último adeus, havia partido cedo demais. Todos os sonhos, planos, ambições e amores haviam ido embora com ela na antiga picape que costumava dirigir durante a juventude.
Os dias que se sucederam foram difíceis. Passar pelo luto nunca é algo fácil, mas com o tempo, as dores vão diminuindo e o ser humano passa a superar aquela ferida que um dia foi aberta.
Foi em uma quarta-feira que sentiu que estava sendo curado daquele luto tardio e decidiu retornar à Time, para conversar com o velho amigo mais uma vez.
- , e se a gente formar aquela banda que planejávamos no Ensino Médio?
- , já estamos velhos cara, não sei não.
- Só por um show, nesses últimos dias eu escrevi uma música em homenagem à e queria apresenta-la.
- Certo, certo... já sabe com quem falar?
- Você ainda tem o contato dos outros caras?
- Acho que sim.
Londres, 2017.
Já havia passado cinco anos desde a primeira apresentação da banda, e os amigos decidiram seguir com a carreira musical.
Aquela era uma noite especial, além de completar vinte anos desde a última conversa entre ele e , o estava em Londres, cidade que a loira tanto sonhava em conhecer quando adolescente.
- Boa Noite Londres! – O vocalista cumprimentou a plateia eufórica. – A próxima música é muito pessoal para mim. Quando adolescente, eu era apaixonado por uma garota, , era o nome dela mas eu nunca consegui dizer que a amava. Há algum tempo atrás, voltei à minha cidade natal na esperança de um reencontro e o que aconteceu foi o oposto: descobri que ela havia falecido anos antes, doeu demais saber disso. Foi assim que surgiu essa música. Essa é “Gone Too Soon”.
Seja lá onde quer que ela estivesse, com certeza também estaria em um lugar melhor brilhando como uma estrela cadente, a mais bonita das estrelas.
Fim.
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